Opinião

Onde a terra se acaba e o mar começa*

6 abr 2016 00:00

Paulo Henrique

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Depois de ter deixado Nova Iorque e de ter partido para viver noutro lugar, encontrei do outro lado do Atlântico onde me instalar, «mesmo em frente àquela cidade», pois tinha mudado para Cabo da Roca, o ponto mais ocidental de Portugal continental, concelho de Sintra.

Eu costumava, por piada, dizer, que foi o lugar mais próximo de Nova Iorque que tinha encontrado. E porquê ir para esse lugar peculiar? Porque eu gostei da ideia de contraste, sem distracções "urbanas", onde a natureza reina para me (re)encontrar de outra forma.

Foi no Cabo da Roca que, durante as minhas caminhadas quase quotidianas, entendi que o meu corpo tinha mudado para um outro 'corpo' (nova geografia), seguindo caminhos diferentes numa outra cartografia visual, sonora e sensorial.

Durante esses passeios pelas falésias tomei consciência de como o clima muda, entre sol, vento, nuvens, névoa. Mas havia algo constante - as marés. Um dia decidi ficar um período inteiro de maré no mesmo sitio, com uma bela vista num desses passeios e observar a maré - uma transformação real na temporalidade.

Nesse dia, durante a caminhada, dei-me a oportunidade de (re)descobrir um rochedo que conhecia desde há algum tempo. Parei numa ravina inclinada onde se avistava a Praia da Ursa e deixei o tempo escoar.

Foi durante o período de marés altas onde às vezes a areia é removida da praia pelas correntes, deixando um novo território de seixos e rochas, e por vezes, nenhum deles. Fiquei, assim, nesse lugar. O vento soprava leve e sobretudo o quase silêncio absoluto, apenas o remoer constante das ondas espumadas.

Era uma temporalidade que devia cumprir, dar esse tempo ao corpo e a mim mesmo, para que ele possa ser « restaurado », (como quando vamos ao restaurante - porque ele nos «restaura ») invisivelmente.

Nesta temporalidade, a imaginação e a consciência foram mobilizadas para revelar detalhes muitas vezes esquecidos , fora dos nossos automatismos e rituais do dia-a-dia, da mesma forma que eu frequentemente passava por esse rochedo durante as minhas caminhadas, de maneira automatizada, mas sem lhe dar o tempo necessário para o ver em detalhe, ou um eco do seu contrário.

Depois de ficar no mesmo lugar e ver no tempo a maré transformar o espaço em volta do rochedo, descubro pela primeira vez que na base desse rochedo havia uma gruta que eu nunca tinha visto.

Sem ter decidido parar e ficar no mesmo sitio, eu estava longe de suspeitar da sua existência. Com a maré baixa tinha descoberto aquela gruta por puro acaso (!?). Desde então, mantive um sentimento forte em mim por este revelar.

* Luís de Camões in Os Lusíadas