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Ode Filípica: o regresso de um ovni

5 dez 2015 00:00

Primeiro tema em 23 anos sai no final do mês de Dezembro

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O primeiro tema dos Ode Filípica em 23 anos sai no final do mês de Dezembro e é um regresso ao momento em que dois rapazes da província ajudaram a filiar a música portuguesa na estética electro-industrial das décadas de 80 e 90. Vale o que vale, recordar que chegaram a apresentar-se ao vivo com imagens hardcore a passar em vários televisores. A pornografia choca cada vez menos, quando até a Playboy abdica de publicar mulheres nuas, mas se recuarmos a esses tempos da revista Gina, antes da internet e da televisão por cabo, então tudo muda de figura. A mistura de insinuações sexuais com referências religiosas era motivo para alguns pais trancarem as filhas em casa e também para o jornal Blitz se interessar por um projecto de garagem desenvolvido entre a Marinha Grande e a Maceira.

O que aí vem é um retorno sem voltar à casa de partida, porque desta vez Carlos Matos não conta com a colaboração de Pedro Granja, o homem responsável pelas programações originais da banda, para quem a caixa de ritmos não tinha segredos. E porque The Finishing Line troca a sonoridade visceral, provocadora e potencialmente chocante por uma toada tranquila, fílmica, quase épica. A voz é do britânico Andrew King e o registo integra a colectânea Ventos Acinzentados. Em cassete – leram bem, cassete – com selo da editora Anti-Demos-Cracia.

Entre 1989 e 1994, os Ode Filípica apresentaram- -se apenas quatro vezes em público. Momentos planeados ao milímetro para criar ondas de choque. As aparições na imprensa também ajudaram a alimentar o culto em torno de uma espécie de ovni no panorama musical português. Em especial, a entrevista ao Blitz que fala das sessões Ol Facipia Dei, de acesso restrito a sete pessoas de cada sexo. "Os concertos não eram só um acontecimento musical, eram uma provocação, um elemento artístico de confronto, de fazer as pessoas reflectirem", explica Carlos Matos. A teatralidade em palco, as letras gótico- depressivas, as vocalizações violentas, as texturas sonoras que pareciam extraídas de rituais pagãos – tudo soava a mistério e nenhum dos mentores do projecto estava interessado em desmentir rumores.

Foi em 1989, uns meses antes da queda do Muro de Berlim, que Carlos Matos e Pedro Granja se conheceram. O primeiro estava a entrar na idade adulta, o segundo tinha chegado da União Soviética, via Manchester. Partilhavam afinidades musicais, com destaque para Cabaret Voltaire e Test Dept, mas eram diferentes como as duas faces da lua – o vocalista à beira do exorcismo, o engenheiro de sons discreto na rectaguarda. Lançaram várias demotapes com canções em português, inglês, francês, russo e odês – um dialecto que não era mais do que português da frente para trás. E um vinil de sete polegadas, que inclui as faixas Time do Hell, Língua Morta e Ritual of Purity. Editaram na Alemanha, aparecem numa colectânea com os Young Gods e partilham a compilação Ritual Rock (1995) com Bizarra Locomotiva, Ornatos Violeta e Tédio Boys, entre outros. A fotografia no CD é da autoria de David Fonseca, mais tarde fundador dos Silence 4.

"Nunca nos assumimos como músicos, mas como manipuladores de sons. A Ode Filípica era a caixa de ritmos que explorámos até ao tutano", afirma Carlos Matos, que atribui ao ambiente industrial da Marinha Grande, onde cresceu, o interesse por bandas como Einstürzende Neubauten. "Desde miúdo que o barulho das máquinas a trabalhar, em cadência, era ritmo para mim. E comecei cedo com uma percepção dos ruídos que me rodeavam e que funcionavam como estimulador musical", afirma.

São dessa época os poemas ditados em casa para um gravador de cassetes e também a primeira audição de Unknown Pleasures, o álbum de estreia dos Joy Division. "Fez com que descobrisse um mundo maravilhoso e a partir daí comecei a ouvir coisas cada vez mais obscuras e difíceis". Para 2016, o objectivo é concluir um EP em vinil, com colaborações várias. Não estão previstas actuações ao vivo. Os tempos mudaram e a maturidade também é outra.

Discografia

Entre 1990 e 1992, os Ode Filípica editaram Impulsos Anémicos (cassete), Off (EP em vinil), Janusjus (cassete), Rites Of Devotion (cassete), Ol Facipia Dei Or Ode's Own God (cassete), Libre Gogtas (cassete) e On Illusion Live (cassete). Carlos Matos, presidente da associação cultural Fade In, viria depois a integrar os projectos Plastik Leiria Bomberz e Broto Verbo. Quanto a Pedro Granja, continua a compor e editou como Pedro Inf pela Some Bizarre Records, casa por onde passaram nomes como os The The, Swans, Test Dept, Cabaret Voltaire, Soft Cell e Einstürzende Neubauten.