Sociedade

"O sistema educativo tem de criar pessoas pensantes e autónomas e não 'carneiros'"

19 jan 2017 00:00

Frederico Fezas Vital, empreendedor social, diz que “não estamos a educar a actual geração para ser feliz, mas para cumprir objectivos e atingir metas que não lhes trazem felicidade".

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Maria Anabela Silva

Largou o que muitos sonham - uma carreira de sucesso e uma situação financeira confortável - para se dedicar à concretização de sonhos de crianças doentes, com a criação da Associação Terra dos Sonhos. Qual era o seu sonho quando tomou esta decisão?

Era conseguir alguma coisa mais importante do que recompensa e conforto material, que também são necessários. Não sou nada fundamentalista. Precisamos do nosso conforto, mas há coisas que não se compram com dinheiro ou com sucesso profissional, como ele é entendido na maior parte dos casos.

Sonhava e ambicionava ter um propósito e sentir-me a cumprir uma missão maior do que eu. Todos nós queremos, por inerência da nossa natureza, superar-nos, sermos mais do que nós, sairmos de nós. Muitas vezes, nem temos consciência disso, de que é essa sede de significado e de utilidade que nos faz mover. Não por reconhecimento, embora este seja óptimo, mas porque conseguimos, de facto, fazer a diferença. Parece uma frase feita, mas pelo que tenho feito nos últimos dez anos, valeu a pena.

O que mais o motiva neste trabalho?

Tanto na Terra dos Sonhos como nos outros projectos de empreendedorismo social o que mais me recompensa é ver diante dos meus olhos a concretização do meu trabalho. Nos vários projectos em que estou envolvido o objectivo é sempre o mesmo: ajudar as pessoas a perceberem o poder que têm para mudar a sua realidade para melhor, no sentido em que fizer mais sentido para as suas vidas. Isto aconteceu muitas vezes à minha frente e por causa do trabalho que faço.

Se passei algumas dificuldades financeiras, a verdade é que nunca nada me faltou. Troquei um maior conforto financeiro, mas a equação ficou muito positiva. Não há nada que pague a recompensa que sinto quando faço uma formação de empreendedorismo social ou de capacitação, quando ajudo determinado projecto como mentor ou quando realizo o sonho de alguém e vejo o que as pessoas fazem com aquilo que lhes dou, seja inspiração, seja motivação ou ferramentas concretas, como saúde emocional ou ferramentas técnicas.

Em dez anos de existência, a Terra dos Sonhos já realizou mais de 600 sonhos de crianças em avançado estado de doença. Qual foi aquele que mais o marcou?

Todos marcam à sua maneira. Mas houve um especial. O caso do Tiago, que queria visitar uma fábrica de material escolar. O Tiago sofria de uma doença que o isolava em casa e, como tal, nunca tinha tido muito contacto com escola. Não tinha a oportunidade de viver as sensações do regresso às aulas, quando abrimos aquela caixa de lápis nova ou os livros a cheirar a novo. Levámos o Tiago à Papelaria Fernandes. Foi um dia comovente tanto para Tiago como para os trabalhadores da fábrica. Foi super-marcante pela simplicidade do sonho.

Os nossos jovens sonham pouco?

Sonham pouco e isso é preocupante. Que futuro tem um país, quando a juventude não sonha? Foi o sonho que conduziu às grandes evoluções do mundo. Alguém sonhou, alguém teve uma visão e foi capaz de mobilizar um pequeno grupo, uma comunidade, que depois foi alastrando e arrastando outras pessoas. A empatia e a capacidade de trabalhar em colaboração são a solução para a grande desertificação de sonhos que temos no País

O sistema educativo, em que o sucesso está muito centrado nas notas, é inibidor de sonhos?

Há uma corrente, mais ou menos generalizada, que defende que temos de educar os nossos filhos para o mundo que existe. Não concordo nada. Temos de educar as crianças para transformarem o mundo e não construir 'carneiros' que encaixem no mundo existente.

Devemos dar-lhes ferramentas, que lhes permitam sobreviver, mas também ferramentas para que consigam mudar o enquadramento que têm. Caso contrário, não há uma evolução, mas sim uma involução.

O ser o tal desobediente crítico, como uma vez ouvir o professor Laborinho Lúcio dizer. Não é a desobediência pela desobediência, não é a indisciplina, mas a contestação fundamentada, com pensamento livre e com conhecimento adquirido, também porque o sistema educativo nos dá as ferramentas para o podermos ir buscar.

O sistema educativo tem de criar pessoas pensantes e autónomas e não 'carneiros'. Não estamos a educar a actual geração para ser feliz, mas para cumprir objectivos e atingir metas que não lhes trazem felicidade.

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