Sociedade

"O futuro não vai ser uma espécie de réplica daquilo que tínhamos antes da crise"

17 jun 2016 00:00

João Ferrão fala em “falácia” em torno da ideia de que o ordenamento do território é um custo de contexto para as empresas

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Raquel de Sousa Silva

Em 2013 apresentou um estudo sobre a geografia da crise. Que resultados apontava? Mantêm-se actuais?

Na altura os resultados mostravam que as áreas do País mais vulneráveis eram de dois tipos: zonas com emprego desqualificado, suburbanas ou rurais mas muito dependentes da construção e do mercado imobiliário, o que incluía sobretudo áreas periféricas das áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa, e o Algarve, mas aqui devido a uma certa crise do turismo e ao facto de grande parte do emprego ser sazonal. O que acontece é que aquilo a que chamamos crise teve várias faces.

E as várias medidas de austeridade incidiram sobre segmentos diferentes da população. O que houve de diferente, mais tarde, foi o modo como essa incidência chegou aos funcionários da Administração Pública. Ou seja, a partir de certa altura, a crise também se fez sentir nas cidades médias onde existia grande presença relativa do emprego público. Curiosamente, onde aparentemente a crise teve menos incidência foi nos municípios rurais mais pobres. Primeiro porque já eram mais pobres, depois porque aí as pessoas têm mais defesas, quer do ponto de vista dos produtos agrícolas quer da ajuda familiar e comunitária.


Mas por que diz que foi apenas aparentemente?

O que foi medido no estudo foi a diminuição do nível de vida. Uma pessoa com um nível de vida muito alto pode sofrer uma grande incidência da crise, mas passa de um nível muito alto para um médio/alto. Uma pessoa com um nível de vida muito baixo pode aparentemente sofrer uma mudança pequena, mas o significado dessa mudança pode ser enorme.

 

Foi secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades. Como vê o que se passa actualmente nesta matéria?

Surgiu entretanto uma nova lei de bases que, como os regimes jurídicos que se lhe seguiram, foi aprovada de forma demasiado apressada. Deviam ter tido outro consenso ao nível da Assembleia da República. Por definição, as leis de base devem ter um amplo apoio interpartidário. Uma lei de bases aprovada apenas por uma parte da Assembleia da República vai ter sempre dificuldade de aceitação social e de aplicação eficiente.

Por outro lado, com a crise deixou de haver o impacto que havia antes, do ponto de vista da edificação, que é sempre um dos grandes problemas. A questão que se coloca é se, com a recuperação, vamos voltar ao paradigma anterior da construção dispersa ou se, pelo contrário, a lógica da reabilitação chegou para ficar.


O ordenamento do território é uma questão polémica, mexe com muitos interesses…

Claro. Compreendo que seja complicado para as pessoas perceberem que juridicamente há diferença entre direito de propriedade e direito de edificação. As pessoas pensam: “isto é meu, logo, posso fazer o que quero”. Mas aqueles dois direitos nem sempre coincidem, a bem do interesse comum. É difícil explicar isto às pessoas.

E também se compreende que os autarcas, pressionados por aqueles que os elegem, tendam muitas vezes a ser demasiado complacentes. É necessária uma mudança cultural, para que os portugueses percebam melhor que há valores de interesse comum que têm de ser defendidos, mesmo quando isso prejudica individualmente algumas pessoas.

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