Desporto

Nuno Lopes: “A minha mágoa é que o Sporting não aprendeu rigorosamente nada com aquilo”

3 mai 2020 10:49

O treinador da Marinha Grande que levou o clube de Alvalade à conquista da Taça CERS faz uma análise ao que sucedeu após aquela vitória de há cinco anos

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"Desde os cinco anos que sofro pelo Sporting", diz Nuno Lopes
Ricardo Graça/Arquivo

Fez cinco anos no passado domingo, dia 26 de Abril. Naquele dia, em Espanha, o Sporting conquistou a Taça CERS, competição europeia de hóquei em patins, após vencer a equipa catalã do Reus através do desempate através da marcação de grandes penalidades. As declarações do treinador após a partida arrepiaram o universo leonino. Nuno Lopes, da Marinha Grande, actual treinador do Sporting de Tomar, não conseguiu conter a emoção de vencer tão relevante troféu pelo clube que ama “desde os cinco anos”, falou do orgulho da família, “toda sportinguista”, fez um viva à cidade vidreira e chorou de felicidade. Passado todo este tempo, as impressões daqueles dias felizes condensam também a frieza que só o tempo concede.

Continua a pensar muito naquele dia 26 de Abril?

Sim. Acima de tudo, passados este cinco anos, a recordação é a melhor. Hoje, olho e vejo que aquele grupo tinha tudo para dar certo. Quando falamos e nos encontramos, não há dúvida absolutamente nenhuma que há ali uma química muito grande. Também nunca vi nas modalidade uma recepção como a que tivemos no aeroporto. A fome de títulos era tanta que os sportinguistas transportaram a alegria para aquela conquista.

Foi um momento histórico.

Foi o alavancar do Sporting no hóquei em patins. A partir daí, a par do investimento muito grande que foi feito, foram-se ganhando títulos todos os anos. Aquele título em concreto, tinha que ver com um Sporting a nascer, a ser construído, a sair de um amadorismo total para um semi-profissionalismo e que dali passou para profissionalismo, com condições muito melhores do que tínhamos. Olhando para trás, penso que aquela vitória foi determinante. Eram passos que tinham de ser dados. Agora, não é fácil dizer que esses cinco anos podiam ter passado pela minha mão. Hoje, percebo que era impossível, porque as mudanças foram tantas, as expectativas foram tantas que, a partir dali, o clube tinha de entrar numa roda viva muito grande. Daquele tempo, ficou o Ângelo Girão, que fui eu buscá-lo, também o Zé Diogo, e o resto foi-se embora.

Foi buscar o melhor do Mundo para o Sporting?

É um dos melhores do Mundo. Há um leque de dois ou três guarda-redes que considero que são muito especiais, mas cada um da sua forma particular. O que o Girão tem diferente dos outros? É um animal de competição. É talvez dos atletas mais competitivos que alguma vez vi e acredito que não há muitos com o nível competitivo que ele tem. Exagerando na expressão, ele mata para ganhar. É um daqueles que nos grandes momentos ganha uma força interior muito grande.

O Girão esteve em grande na final.

Tive oportunidade de ver esses dois jogos da final four nos últimos dias e à frente do Girão estavam quatro elementos que pararam muita bola. No dia 26 estivemos todos em videoconferência e falámos da quantidade de bolas que o Tiago Losna e o Ricardo Figueira pararam. Foi o assumir de uma táctica defensiva, de dar o corpo às bolas, de não deixá-la chegar à baliza e contra-atacar. É um bocadinho a táctica das equipas que se apresentam como mais fracas em relação ao adversário. Não é uma táctica inovadora, mas foi muito importante assumí-la e ter a humildade de perceber o que era preciso para ganhar a final. A partir dali definimos um estilo, mas falhámos quando quisemos romper com tudo o que eram ganhos e coisas bem feitas. Aí eu falhei. Assumo isso.

Por que razão sentiu necessidade de mudar essa fórmula mágica?

O Sporting vivia um momento de JJ (Jorge Jesus). E o momento de JJ no Sporting foi completamente transposto para todas as modalidades. E nós, que tínhamos uma fórmula ganha, quisemos resolver tudo à pressa. O dinheiro avançou para todo o lado. Ganharam-se títulos, mas a minha mágoa é que o Sporting não aprendeu rigorosamente nada com aquilo.

“A verdade nua e crua, por mais que custe ouvir, é que não se quer saber da formação para nada. Só quando, como agora, não há dinheiro”
Nuno Lopes

Como assim?

Foi uma experiência muito boa e acreditava que o clube iria alavancar-se para aquele ADN do Sporting. Tínhamos conquistado um titulo internacional, passávamos a ser uma referência e tornava-se mais fácil alicerçar as nossas bases na formação. Aceitei ir para a equipa B a pensar que íamos conseguir fazer aquele trabalho, mas depois o dinheiro falou mais alto. A verdade nua e crua, por mais que custe ouvir, é que não se quer saber da formação para nada. Só quando, como agora, não há dinheiro. Agora já se começa a pensar e a voltar os tempos em que a formação é muito importante. Isto é oportunismo. Agora que não há dinheiro vamos contar a história que vamos apostar na cantera. É falso, vivi isto na pele e não quis acreditar que era verdade. Quando tive essa consciência decidi mudar de rumo.

O que faltava?

Como podia o Sporting apostar na formação nao tendo pavilhão? Agora tem o pavilhão João Rocha, mas não há espaço para todos. Aquilo que se fez em Alcochete tinha de fazer também para as modalidades e era isso que acreditava que a Taça CERS traria. Com calma, ganhando raízes, com gente com ADN Sporting, porque essa gente aceita esses cargos, aceita construir, tem orgulho. Ganhamos? Ganhamos. Mas não me revejo. Sou daqueles sportinguistas assumidos que queria ver gente da cantera. No andebol, o Portela saiu porquê? Agora era para voltar, mas já não volta. Ele nunca poderia sair. O Wilson Eduardo, o João Mário? Agora vamos recuperá-los? Tem que ver com oportunidade. Vamos apelar ao sportinguismo de alguns para virem mais baratos. É isto que eu condeno. Não aprendemos com 100 anos de história.

Voltando à Taça CERS, foi o momento mais feliz da carreira?

Também relembro a conquista da Supertaça a um Benfica de classe mundial, campeão europeu, que volvidos estes cinco anos ainda não voltou a ganhar. Foi também um momento muito importante, mais um título nacional para o Sporting e menos um para o Benfica, num jogo onde as forças não eram iguais. Mas sim, foi o momento mais extravasante da carreira. O Sporting não ganhava uma prova europeia há muitos anos e é o clube do coração. Foi o extrapolar, até porque tive uma vida difícil até chegar àquele momento. Não esqueço os quartos-de-final, com a Oliveirense, que deram a passagem à final four. Foi quando conquistámos a nossa identidade. Ganhámos uma confiança tal que nos alavancou para a final europeia, para a final da Taça de Portugal e para a conquista da tal Supertaça no ano a seguir. Com outra equipa, já, mas depois de ganhar a Supertaça portuguesa e a primeira mão da final da Supertaça Europeia ao Barcelona, as expectativas foram ao máximo. Já não se aceitava não se ser campeão e ganhar tudo. Com tantas expectativas, com a primeira derrota, começou a turbulência.