Viver

Não sejas 'silly'... 'season'

13 ago 2016 00:00

Acontece ano após ano. As chuvas primaveris acabam, o tempo aquece, as praias lançam o seu “canto de sereias” e o País muda-se, a banhos, para a borda do mar

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Jacinto Silva Duro

A silly season – “época parva” das notícias que marcam a actualidade –, com uma pontualidade digna de um relógio de cuco suíço, instalou-se.

Os políticos e tribunais vão de férias – o Presidente da República foge aos guarda-costas e vai tomar banhos de mar a Carcavelos, gozando de uma popularidade típica de estrelas de rock e actores famosos - e os jornais, rádios e televisões colocam um aviso de não incomodar na porta das redacções e começam a trabalhar com metade das equipas, abordando temas light, sobre viagens, férias, descanso, cuidados a ter com a pele e com as crianças, gastronomia e outros “interesses reais do público”.

Este ano, contudo, a chamada silly season – “estação” ou “época parva”, para fazer uma tradução directa do termo anglo-saxónico. Se Eça de Queirós fosse vivo, provavelmente, chamar-lhe-ia “época de ananases” - começou ligeiramente mais tarde.

Os culpados? Vejamos, a Selecção Portuguesa de Futebol sagrou-se campeã europeia e Portugal festejou, festejou e, depois, festejou mais um pouco, depois, apareceu a primeira das polémicas políticas da época: a Comissão Europeia não conseguia resolver se Portugal e Espanha iriam ser penalizados por défice excessivo e, após ter chegado à conclusão de que, “sim senhor, é para penalizar os infractores”, mas a França não, “porque a França é a França” - citando Jean Claude-Juncker -, não conseguia decidir- se se aplicava pena zero ou se apostava na mão pesada contra os prevaricadores.

Por fim, lá veio a palmadinha nas costas e a admoestação aos parceiros iberos: “vão de férias, portem-se bem e tenham juizinho!” e começaram os Jogos Olímpicos, no Rio de Janeiro.

Tudo parecia bem encaminhado para que as notícias “importantes” e de política dura fossem substituídas pelas medalhas, pela “falta de assunto” – viagens ao Euro 2016 aparte, por falar em polémicas políticas -, e por uma maior incidência de temas frívolos, quando a realidade caiu em cima dos media.

O País ainda nem ia a meio dos banhos de Agosto, porque a “época de ananases” dura até Setembro, e estava a arder como há muito não se via.

O fogo e os “culpados” passaram a temas quentes do momento e, nem a humorística campanha presidencial norte-americana, nem os amores de Verão das estrelas dos reality shows, que daqui a três meses ninguém reconhece, parecem estar a cativar as atenções como normalmente acontece nesta época. Mesmo assim, ainda falta muito Agosto para a “época de ananases” se estabelecer de pedra e cal, na actualidade nacional.

“Não sei porquê mas associo sempre a expressão silly season ao termo guilty pleasure [prazer proibido]. Embora reconheça que a origem etimológica seja quase ‘antagónica’ - ainda que ambas as expressões sejam constituídas por um adjectivo e um substantivo - não as consigo dissociar. Para mim, uma silly season é uma espécie de manifestação colectiva de alguns guilty pleasures de que padecemos. Um prazer deste tipo é quando se gosta de algo de que se tem vergonha de assumir publicamente para não hipotecar a ideia do ‘intelectual’ que há em cada um de nós. Já a silly season’ é quando todos esses auto-ostracizados ‘libertam a franga’ e estão-se a ‘marimbar’, assumindo comportamentos, gostos ou hábitos ‘estranhos’ que, vividos na recata solidão são (auto)’censuráveis’, mas que se tornam virais quando se libertam para a esfera colectiva”, resume Carlos Matos.

O produtor musical aponta como um desses guilty pleasures em silly season a “pokemonmania”, sendo “o mais recente e mais notado fenómeno contemporâneo e no cume da pirâmide” da época tola em curso.

“E há mal nisso? Na minha óptica, não.” Para fazer uma definição de silly season o cineasta André Pereira, lança mão de uma silly definition: “aquela época do ano em que os cinemas se enchem de filmes do Zac Efron em tronco nu, os telejornais exploram até à exaustão a lancheira dos banhistas portugueses ou a altura ideal para a Margarida Rebelo Pinto lançar um livro. Fernando Pessoa disse que ‘o mito é o nada que é tudo’. Eu digo que a silly season é o tudo que é nada.”

Já a jornalista e campaigner Catarina Gomes debate-se com a dificuldade em atribuir um rótulo ao termo. “Não tenho um, pelo menos não no Verão e não tão prolongado como dois meses. É estranho e engraçado que todo o País já saiba que, durante o Verão, nada será feito porque todos estão de férias. Inclusive os media.

Por exemplo, independentemente da gravidade ou importância do assunto, já sabemos que será bem mais destacado pelos media se o feito acontecer fora do Verão. Portugal é dos países que mais televisão consome e ‘as massas em geral são bem controladas pela selecção noticiosa da comunicação portuguesa’. Indo por caminhos das teorias da conspiração, alguém que me explique por que razão, na silly season, a comunicação social assume que eu só quero consumir pacotes de notícias sobre biquínis ou festas na aldeia?”

A jornalista conclui o pensamento dizendo que esta época é de unhas de gel vermelhas e selfies no Algarve. “Eu que não tenho nem férias, nem unhas de gel, divirto-me a dizer mal. No fundo, no fundo, o que eu queria era ter um Agosto tão silly como o resto do mundo.”

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