Viver

Histórias de Afonso Lopes Vieira

24 mai 2016 00:00

EstóriasdanossaHistória Ricardo Charters d’Azevedo

historias-de-afonso-lopes-vieira-4181

Muito se tem falado sobre Afonso Lopes Vieira, pelo que aqui deixo umas pequenas histórias que na minha família se contam e que ilustram a maneira de ser e estar na vida de Afonso Lopes Vieira e que cada um, à sua maneira, ajuizará se se trata de vaidade, se culto da sua pessoa com o seu quê de sibarita ou de dandy.

Aproxima-se a hora do chá e a minha prima, Maria de Carmo de Sampaio, casada com o Dr. José Charters d’Azevedo Lopes Vieira, aparece para um visita ao poeta e sua mulher Helena, em S. Pedro de Muel, fazendo-se anunciar.

Perante o pasmo de todos, o poeta Afonso, a debater-se com um tremendo abcesso, fruto de uma dor de dentes já ultrapassada, mas que em seu entender o desfigurava, não apareceu, apresentando mil e uma desculpas, justificando a ausência devido àquele episódio do maldito abcesso e que por esse facto "não estava em condições de receber uma senhora"!

Um dia, em Lisboa, na sua casa do Largo da Rosa, Afonso Lopes Vieira prepara-se para sair e, olhando-se ao espelho do bengaleiro, repara com aflição numa pequena nódoa na lapela do casaco! Estava atrasado e não havia nada a fazer nem tempo para mudar de fato.

Olha então de novo para o espelho e dando um piparote no chapéu, que ficou às três pancadas, comenta ao mesmo tempo para a sua criada (naquele tempo não eram empregadas, mas sim criadas): “Agora, sim, com este ar de boémio já se tolera uma nódoa no casaco”.

Pegou na bengala e saiu porta fora! O Diário de Lisboa (1921-1989) foi um periódico com imensa influência na comunidade intelectual e política da sociedade portuguesa ao longo de quase todo o século XX. Entre os anos 20 e a II Guerra Mundial os mais importantes escritores com uma componente política de esquerda passaram pelas suas páginas.

O Diário de Lisboa anuncia no dia 1 de abril de 1933 que se bateram em duelo o poeta e humanista Afonso Lopes Vieira (1878-1946) e o polemista Alfredo Pimenta (1882-1950), por causa de uma violenta polémica literária a propósito da edição da Lírica de Camões comentada pelo último e por Joaquim Maria Rodrigues, “suscitou-se entre aqueles dois escritores numa pendência de honra que teve o seu desfecho neste duelo”.

Na notícia eram indicados como testemunhas de Alfredo Pimenta o visconde do Torão e Caetano Beirão e o Dr. José de Figueiredo e Raul Lino eram as testemunhas de Afonso Lopes Vieira. O duelo realizou-se pelas 7 da manhã numa vereda na Tapada da Ajuda, onde compareceram, além das testemunhas, o mestre de armas Carlos Gonçalves, escolhido como Juiz de Campo e os dois médicos que acompanhavam os duelistas.

O jornal, apresentando uma fotografia a duas colunas, descreve os três assaltos entre os dois, indicando que ao terceiro assalto Alfredo Pimenta foi tocado no antebraço direito, ficando com uma profunda incisão de três centímetros com abundante hemorragia. Os “médicos, unanimemente, deram por liquidada a pendência com honra para ambas as partes, tendo-se lavrado as competentes atas”.

No dia seguinte, o mesmo jornal, lembrava que se tratou de uma “reportagem fantasiosa” justificada por ser o dia 1º de abril. No entanto, referia no seu desmentido que tal notícia “causou sensação em Lisboa, tendo sido o caso do dia nos centros de cavaco, onde a grande maioria das pessoas acreditou na veracidade do duelo”.

Claro que todos acharam graça e o Alfredo Pimenta apreciou a solicitude de numerosos amigos que lhe telefonaram, para saber se o ferimento era de gravidade. O arranjo fotográfico foi realizado a partir de uma fotografia do duelo entre Carlos Gonçalves e António Osório, com a diferença de a cara do mestre Carlos Gonçalves ter sido substituída pela de Afonso Lopes Vieira.

*Texto escrito de acordo com a nova ortografia

Leia mais na edição impressa ou torne-se assinante para aceder à versão digital integral deste artigo.