Sociedade

Helena Sacadura Cabral: Um dos problemas do feminismo foi a masculinização da mulher

17 nov 2016 00:00

Diz que na política “há um espartilho terrível” e conta que nunca aceitou convites para cargos políticos porque nenhum partido a deixaria ser ela própria. Nesta entrevista, a economista desvenda um pouco do que foi a sua vida.

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Raquel de Sousa Silva

O seu último livro é uma autobiografia. Sentiu necessidade de mostrar ao mundo quem foi?
Não. Senti necessidade de mostrar ao mundo que na nossa vida há fases em que não nos apercebemos sequer que existimos, tão focados estamos naquilo que são as nossas obrigações mais importantes. A partir de uma certa altura tive consciência que dentro dessas obrigações mais importantes havia uma que era eu tomar conta de mim. Foi isso que me levou, por um lado, a escrever o livro e, por outro, a pensar que talvez fosse útil a outras pessoas poderem lê-lo.

É uma forma de deixar a sua marca...
Poderíamos falar de pegada, mas não é o caso. Mas permite saber o que está por detrás da Helena Sacadura Cabral, como conseguiu chegar aqui, que caminhos atravessou, que trilhos percorreu.

Refere na introdução que viver pode ser difícil, mas também pode ser uma prova de superação de nós próprios. Em que é que se superou a si própria?
Em muita coisa. Primeiro, eu era uma mulher completamente focada em valores que diziam respeito à família que tinha criado, ao bem-estar dos filhos e do marido, depois, focada no bem-estar daqueles que me rodeavam. E um dia percebi que ninguém pode estar focado nestas coisas sem se ter focado primeiro em si próprio. Foi a partir daí que decidi que se tinha alguma coisa mais para dar aos outros teria primeiro de me encontrar a mim, fazer de mim o que achava que devia fazer e depois ser útil a quem pudesse eventualmente ler as minhas palavras.

Foi uma mulher mais à frente do que o seu tempo?
Isso fui. E paguei caro.

Porquê?
Há 50 anos, o divórcio não era exactamente o que é hoje. Tive de vencer uma série de dificuldades para dizer 'divorciei-me porque considero que é o caminho mais certo, mais justo e mais equilibrado para mim e para os meus'.

Havia todo um estigma à volta do divórcio…
Sim, do divórcio, dos filhos de pais divorciados e das mulheres divorciadas, que constituíam um perigo para as casadas.

Sentiu isso na pele?
Não muito. Era mais o receio de ter de enfrentar isso. Nem nunca tive qualquer assédio no trabalho. As pessoas que me conheciam bem sabiam que esses avanços eram completamente inúteis.

Termina o livro pela fase dos 50 anos. Por que não contou os últimos 30?
Estou a reservar-me para um segundo livro, se sentir necessidade de escrever sobre a parte mais feliz da minha vida, que foi depois dos 45 anos.

Por que é que foi a fase mais feliz?
Porque, primeiro, encontrei-me a mim própria, e depois encontrei no meu caminho todas as amizades que completaram esse encontro comigo, que lhe deram dimensão e valor e que me ajudaram a perceber, inclusive, quem eu era.

Acabou por ter duas vidas, uma antes e outra depois dos 45 anos…
Exactamente. Mas não poderia ter tido a vida que tive depois dos 45 se não tivesse vivido a vida que tive até aos 45.

 

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