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Batalha arrancou às trevas a Idade Média (com galeria)

26 abr 2018 00:00

Explosão de cor | A Capela do Fundador, panteão da Dinastia de Avis, no Mosteiro da Batalha, vai permitir alterar radicalmente a ideia, velha de séculos, de que a Idade Média era uma época triste, escura e marcado pelo maniqueísmo cromático.

Jacinto Silva Duro

Uma equipa multidisciplinar, do projecto Policromia Monumental - A cor na Capela do Fundador, descobriu e recriou o aspecto do espaço, durante o seu auge do século XV.

Muitos castelos, igrejas e mosteiros eram pintados, por dentro e por fora, com cores berrantes, fortes e contrastantes, usadas como códigos visuais, que colocavam em destaque pormenores e eram usadas como forma de distinção e de importância na sociedade daqueles tempos. Os tons teriam mesmo uma hierarquia própria e eram escolhidos de acordo com significados pré-estabelecidos.

Uma investigação, levada a cabo por uma equipa multidisciplinar, com peritos das universidades de Évora (Laboratório Hércules) e Nova, Instituto Português de Heráldica e do Instituto Politécnico de Leiria, na Capela do Fundador, no Mosteiro da Batalha, está a alterar, a concepção romântica de que as pedras dos monumentos e igrejas seculares eram alvas e limpas de qualquer sinal decorativo.

Afinal, ainda no século XV, muitos dos nossos grandes monumentos eram profusamente pintados, coloridos e garridos. As primeiras conclusões da investigação foram publicadas na versão portuguesa da revista National Geographic e vão também ser alvo de um artigo na sua versão norte-americana.

Além disso, as técnicas usadas para a análise dos vestígios de utilização de variadas cores - policromia - podem vir a ser utilizadas, em breve, para estudar as pirâmides maias do Novo Mundo, de modo a descobrir até que ponto, também ali as pedras eram pintadas. Para já, os investigadores concluíram que a Capela do Fundador, ainda hoje considerada uma jóia da arquitectura, perdeu boa parte da sua riqueza visual.

É certo que ainda nos podemos maravilhar pelas engenhosas soluções de engenharia para elevar o calcário ao firmamento, mas perdemos a possibilidade de nos extasiar com as belas cores aplicadas aos nichos e altares, às paredes e arcos e, em especial aos túmulos, onde o dourado, obtido a partir da utilização de uma grande concentração de ouro, era o tom dominante, especialmente nos de D. João I e da Rainha D. Filipa de Lencastre.

"Houve muitas intervenções de adaptação a novas concepções estéticas, e de restauros que implicaram o apagamento completo das policromias da Idade Média, em épocas onde não havia consciência de que a cor era um elemento fundamental da arquitectura medieval. Hoje, já se começa a ter essa noção, mas ainda é uma área de investigação bastante nova", explica a investigadora da Universidade Nova Joana Ramôa, uma das coordenadoras do projecto, adiantando que a explosão de cores do mundo medieval, que agora se começa a desvendar, não é uma surpresa apenas para o público, mas também para especialistas e investigadores.

"Temos a ideia de que a Idade Média seria cinzenta e escura, mas, de facto, o que nos estamos a aperceber é que as cores faziam parte do dia-a-dia das populações e da cultura, não apenas na época medieval, mas também no tempo dos romanos e gregos antigos", diz António Candeias.

O investigador do Laboratório Hércules, da Universidade de Évora, instituição que realizou a análise material às cores, brinca e diz que o garrido da decoração daqueles tempos, chocaria com o nosso gosto actual e levar- nos-ia a considerar que se tratavam de “tons muito kitsh”. Afinal, naqueles tempos, poder usar cores na decoração dos grandes edifícios e no interior das casas senhoriais e palácios era também um sinal de status. Quem tinha dinheiro, podia dar-se ao luxo de ser exuberante.

A policromia não era, contudo, generalizada. Joana Ramôa explica que, dependendo da ordem religiosa, poderia existir ou não cor a decorar os edifícios. “É pouco provável que a Igreja do Mosteiro de Alcobaça fosse pintada, pois os monges da Ordem de Cister veneravam a discrição e a simplicidade.”

O mesmo não se passava na maioria dos edifícios monásticos e, muito menos, no Mosteiro da Batalha, que chegou a ser uma das mais importantes universidades eclesiásticas portuguesas. "Ali, a cor tinha um papel fundamental. Tinha um valor estético, permitia criar determinadas leituras simbólicas e chamar a atenção para aspectos da estrutura arquitectónica. Por exemplo, a fachada da Igreja do Mosteiro era toda pintada, com as figuras representadas a ostentar um código de cores que lhes dava maior significado. Dificilmente, os tons seriam aplicados apenas de acordo com o gosto do artista", diz a historiadora da arte.

O número de edifícios em Portugal onde a policromia se manteve é pequeno. A destruição e limpeza das pinturas das paredes dos monumentos é um fenómeno quase transversal em toda a Europa e que está ligado não apenas à exposição dos edifícios ao rigor dos elementos e à passagem do tempo, mas também com intervenções que as taparam com estuque e talha dourada ou de acordo com concepções estéticas românticas, que não davam valor aos artistas locais, autores das decorações dos mosteiros e castelos.

“Por bem”
O director do Mosteiro da Batalha, Joaquim Ruivo, aponta, orgulhoso, o tecto junto aos túmulos da Ínclita Geração. Lá no alto, vemos a aureola de um anjo e, mais à frente, um pergaminho

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