Sociedade

Ana Sargento: "As entidades têm estado mais em competição do que em cooperação"

28 set 2017 00:00

As regiões são um conjunto de várias realidades distintas, pelo que as diferenças devem ser vistas como uma vantagem e não como uma desvantagem, defende a coordenadora do Centro de Investigação em Gestão para a Sustentabilidade.

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Raquel de Sousa Silva

A indústria tem sido apontada como o motor de crescimento e de competitividade da nossa região, até porque exporta boa parte da sua produção. Estão reunidas as condições para que continue a ter esse papel?
Sim, mas com algumas mudanças, que me parece que já começaram, e que devem ser uma preocupação quer das empresas quer das associações, das instituições de ensino superior e das autarquias. A indústria é inevitavelmente o motor da economia regional, falando concretamente da região de Leiria. Os números demonstram-no. Temos uma concentração do emprego, do Valor Acrescentado Bruto e das exportações muito superior à média nacional. A região é reconhecida como industrial, apesar das diferenças que existem dentro dela. Temos duas realidades diferentes, o interior e o litoral. Mas podemos ter projectos que consigam espalhar os seus efeitos por toda a região.

Subsistem alguns problemas…
Sim, e têm a ver sobretudo com factores de competitividade das nossas indústrias, com a qualificação da população, que acaba por estar relacionada, e com a capacidade de inovação. No caso da competitividade, o factor fundamental em que é necessário pensar tem a ver com a dimensão das empresas. Pode parecer um pouco estranho, porque reconhecemos as empresas, sobretudo as de Leiria e da Marinha, como sendo muito dinâmicas e exportadoras, mas a competitividade envolve outros factores que não só as exportações.

A dimensão é um desses factores?
É. Não é o facto de se ser pequeno que faz com que não se seja competitivo, mas a pequena dimensão traz algumas dificuldades, nomeadamente ao nível da produtividade, o que muitas vezes está associado à falta de capacidades de gestão. Estas empresas estão assentes em estruturas de gestão pequenas, muitas vezes pouco profissionalizadas, e isso impede-as de crescer. Quanto à pouca qualificação, dos empresários e da população em geral, é também um gap que temos ainda de preencher. Olhando por exemplo para o grupo de pessoas entre os 30 e os 34 anos com o ensino superior, ainda estamos aquém da média nacional, apesar do crescimento dos últimos tempos. Isto, juntamente com a pequena dimensão, faz com que as empresas não sintam ter capacidade de inovar. Para isso é preciso ter alguém que pense nas coisas e não esteja apenas a resolver problemas de curto prazo. Há um contexto de factores de bloqueio que se reforçam uns aos outros e que é preciso ultrapassar.

Defende que a nossa região tem condições para atrair empresas que funcionem como centros de competência de excelência. Que condições são essas?
A localização é um factor interessante. Temos boas acessibilidades, estamos perto dos principais centros, temos uma boa instituição de ensino superior que pode fornecer talentos e qualificação a empresas que venham para cá, e já temos na região muito know-how em alguns sectores específicos. Penso que isso pode atrair outros sectores relacionados, quer a montante quer a jusante. Isto pode até ser uma solução para aqueles bloqueios. Bastam duas ou três empresas grandes, que sejam consideradas empresas-escola, para atrair mais pessoas para estudar cá, na perspectiva de depois integrarem essas empresas, o que vai reter os estudantes e, eventualmente, fazer com que os trabalhadores que já estão no mercado queiram aumentar as suas qualificações.

Mas atrair essas empresas é um desafio que implica um esforço concertado...
Exige um esforço grande das instituições. Da instituição de ensino superior principal, o IPLeiria, das autarquias, da Comunidade Intermunicipal, das associações empresariais. Esse esforço até tem existido, mas o problema é que as entidades têm estado mais em competição do que em cooperação. Temos de trabalhar em prol de toda a região. Se conseguirmos uma daquelas empresas, que se instale em qualquer um dos concelhos, isso vai ter benefícios para todos. Os municípios estão neste momento muito empenhados em preparar dossiers de investimento, mas sobretudo isoladamente. É mais difícil vender um concelho do que uma localização global com todos os seus atractivos. Trabalhar em conjunto, com os vários tipos de instituição, no sentido de colaborarem, em vez de tentar trazer para si a empresa x ou y, poderia ter mais resultado.

Qual a importância do próprio território no desenvolvimento regional?
É fundamental. As regiões não são um ponto, são um conjunto de várias realidades distintas e temos de aproveitar essas diferenças da melhor forma. Por exemplo, temos zonas da região de Leiria onde será mais barato investir e onde até existe a possibilidade de ter alguns incentivos para a localização de empresas - e estou a pensar mais nos territórios do interior - e podemos utilizar isso a nosso favor. A diferenciação do território tem de ser uma vantagem e não uma desvantagem.

Num contexto de cada vez maior globalização, quais devem ser as linhas orientadoras das estratégias de competitividade territorial?
O 'glocal' – globalização mais local – continua a ser muito importante. Os desafios mais recentes, relacionados com a automatização da produção, com a perda de lugar do factor humano, podem colocar novas necessidades de alinhamento de estratégias das regiões. Nesse quadro, é cada vez mais importante a questão do conhecimento e da inovação, que acaba por desligar a competitividade das regiões dos seus recursos naturais e físicos. Actualmente, as regiões têm de apostar fortemente na qualificação, no conhecimento do seu capital humano. Mas, antes disso, é preciso não perder as pessoas, porque depois de as perder não há nada a fazer. E há que tentar atrair pessoas qualificadas.

E como é que se atraem e retêm as pessoas?
Para pensar no que é uma região atractiva temos de nos colocar no papel de quem vive na região. De que gostamos numa região? Qualidade de vida, qualidade ambiental, respostas e ofertas culturais diversificadas, coesão social - o que implica que não haja grandes desigualdades, marginalidade e desemprego -, segurança e, sobretudo, dinamismo empresarial. É preciso apostar nestes vectores para reter pessoas.

Para regiões deprimidas essa estratégia também serve ou são precisas outras?
No caso das regiões deprimidas, a estratégia tem sempre de passar pela atracção de focos de emprego. Não há milagres. Vários modelos foram testados, com incentivos à natalidade e outros, mas isso não funciona se não houver um sítio para trabalhar. As pessoas só ficam se houver emprego. Não tem de ser apenas no concelho onde vivem, mas tem de ser nas imediações. Por isso as estratégias intermunicipais são tão importantes. Também é preciso haver respostas mínimas em termos sociais. Veja-se o exemplo dos concelhos do interior do nosso distrito, onde as respostas em termos de saúde são bastante mais limitadas do que no litoral. Pedir a uma família que crie filhos num local onde não há médicos suficientes… A questão das respostas sociais é importantíssima para manter as pessoas numa determinada zona.

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