Economia

Preço pago, por quilo, aos produtores de arroz apenas daria para comprar meio café

20 jan 2022 11:20

Investimento | Nas planícies férteis de aluvião da zona do Louriçal, Pombal, o arroz carolino vale milhões, mas os produtores dizem que apenas com o emparcelamento o sector valorizará

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Preço de produção por hectare ronda mil euros
Ricardo Graça
Jacinto Silva Duro

Em Dezembro, a Comissão Europeia reconheceu a denominação Arroz Carolino do Baixo Mondego como Indicação Geográfica Protegida.

No Louriçal, a criação desta figura é vista como uma mais-valia, contudo os produtores avisam que apenas atingirá o seu potencial, caso o consumidor reconheça o que está a comprar e se o Estado aproveitar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), para ajudar com os investimentos cruciais que, há décadas, não saem do papel.

“O nosso é um arroz rico, com mais goma e paladar, graças à combinação da qualidade dos solos e do clima local”, explica o presidente da Junta de Freguesia do Louriçal, José Manuel Marques, que, ao longo dos anos tem lutado pelo reconhecimento e promoção do arroz carolino da região.

Hoje, são as máquinas que preparam os terrenos, substituindo os membros de músculos rijos como cordas nos trabalhos mais pesados e reduzindo a mão-de-obra necessária.

Com o preço por quilo pago ao produtor a não passar dos 40 cêntimos, gostariam de ver feito o emparcelamento de terrenos, prometido desde os anos 60, mas jamais concretizado.

A reorganização da propriedade permitiria as necessárias obras de regularização dos níveis de água nos campos de arroz, uma melhoria na fertilização, a retirada de marachãos e seu aproveitamento e até usar aviões na agricultura.

Porém, explica o presidente da Junta de Freguesia do Louriçal, o projecto tem avançado e recuado e não chega, sequer, ao papel sob a forma de projecto.

José Pereira é orizicultor e gostaria de ver, por fim, o emparcelamento realizado. Uma obra que poderia ajudar a amenizar alguns dos efeitos que sente num clima cada vez mais instável.

No ano passado, teve de lidar com uma onda de calor fora de tempo que prejudicou a produção.

“Também estamos a sentir o impacto da subida dos combustíveis e dos produtos associados. Este ano, vai ser um pesadelo!”

Desde a última sementeira, o preço do adubo aumentou cerca de dez euros por saco. “Para cada hectare, são necessários cerca de 500 quilos de adubo e cada saco tem 25 quilos. É fazer as contas.”

Normalmente, o preço de produção por hectare ronda os mil euros, mas o valor pago ao produtor mantém-se em valores baixos.

“Cada quilo ao consumidor custa o preço de dois cafés [cerca de 1,5 euros]. Ora, um quilo de arroz dá para 12 refei- ções a 15 cêntimos cada uma. Ao agricultor, pagam o quilo a menos de 40 cêntimos.”

Mais ou menos o valor de meio café. “Recebi na colheita de 2021 a 38 cêntimos o quilo. Ou seja, 380 euros a tonelada.”

Em Portugal, anualmente e segundo a estatística europeia, produzem-se 160 mil toneladas de arroz por ano, o País é o terceiro maior produtor na UE e cada português consome cerca de 15 quilos de arroz por ano, o maior consumo europeu per capita.

Números que levam José Pereira a declarar que o Estado poderia aproveitar o dinheiro do PRR para a obra. Em resultado da indefinição, há cada vez mais pessoas a abandonar o sector.

Pelas contas do presidente da Junta do Louriçal, há, nesta freguesia do concelho de Pombal, apenas quatro grandes produtores e não mais de uma dezena de pequenos orizicultores.

Há ainda um excesso de legislação e burocracia que penaliza a agricultura e a gestão ambiental, mas que desculpabiliza e permite passar a batata entre agências e organismos do Estado.

“O arroz era a grande riqueza da nossa população”, recorda José Manuel Marques que aponta que outros sectores ficariam a ganhar. Na sua visão, por exemplo, o ecoturismo beneficiaria e a gastronomia também.

“Apesar dos preços baixos, é uma actividade que vale milhões”, resume.

Vale do Lis
Destruição do Pinhal de Leiria reduziu produção de arroz

Nuno Guilherme é um dos dois produtores de arroz da região do vale do Lis. É o único que é natural e está estabelecido no concelho de Leiria. O arroz do Lis está fora de qualquer região demarcada.

Uma situação solitária que o orizicultor sabe que não oferece protecção. E, ultimamente, também tem notado dificuldades, em especial, com o aumento explosivo do preço dos combustíveis, adubos e dos herbicidas.
 
Por terras de Monte Redondo (Leiria), equilibrar os custos e os ganhos é um verdadeiro exercício no arame. Cultiva cerca de 55 dos 200 hectares do arroz do Lis e nota uma diminuição da colheita, desde que, em 2017, o fogo destruiu o Pinhal de Leiria.
 
“Os nevoeiros chegam às searas, há mais humidade e a temperatura baixou. Isso faz com que produza menos uma tonelada por hectare”, contabiliza. No ano passado, colheu 220 toneladas, mas a média das campanhas dos outros anos tem sido de 300 toneladas.
 
“O valor pago por quilo ao produtor está uma lástima”, lamenta Nuno Guilherme, que se manteve em actividade por tradição familiar.
 
Semeia o arroz em Maio e colhe em Setembro, para aproveitar ao máximo o clima ameno da zona, apesar de tudo, mais frio do que o Ribatejo ou o Baixo Mondego, as duas outras principais regiões de produção de arroz em Portugal.