Entrevista

João Vieira Lopes | Ser mais fundamentalista do que a UE exige, não me parece boa política

21 fev 2020 08:55

O presidente da Confederação do Comércio e Serviços considera que o OE para 2020 “é um bocadinho decepcionante” e lamenta que haja alguma “desconsideração” por estes sectores

João Vieira Lopes: "a qualidade da gestão é baixa"
Ricardo Graça
Raquel de Sousa Silva

Governo e parceiros sociais reuniram na semana passada para discutir o acordo de médio prazo sobre rendimentos, com vista à actualização dos salários. Foi possível chegar a alguma conclusão?
A reunião foi bastante decepcionante, porque o Governo prentende, aparentemente, fazer um acordo de rendimentos em relação ao qual as confederações patronais introduziram a componente competitividade. Porque para as empresas pagarem melhores salários – e no comércio e serviços estamos perfeitamente conscientes de que é preciso haver melhores salários, porque isso aumenta o poder de compra – tem de estar reunido um conjunto de condições em termos de carga fiscal, burocracia, justiça e até de gestão dos fundos europeus. Para nós só tem sentido fazer um acordo de competitividade e rendimentos se isto tudo estiver interligado. O Governo tem uma posição muito voluntarista para que o acordo se faça num prazo relativamente curto, mas temos algumas dúvidas. Só vale a pena fazer um acordo se este for aprofundado dentro de um conjunto de pontos. Por isso é prematuro definir prazos limite. A reunião da semana passada discutiu questões como a metodologia, o tipo de acordo e o nível de profundidade do mesmo, pelo que acabou por ser um pouco inconclusiva.

Governo e parceiros sociais não estão de acordo quanto à metodologia a usar para a actualização de rendimentos?
Só posso falar pela Confederação. Achamos que não tem sentido haver um acordo que defina referenciais médios para o País. A CCP, por exemplo, abrange o comércio de proximidade, o sector automóvel, os transportes, os serviços às empresas, software, renting e leasing, farmácias, entre muitos outros, cada qual com uma realidade diferente. Temos muita dificuldade em definir um indicador quantitativo para a heterogeneidade destes sectores. Estamos dispostos a discutir uma metodologia, mas é preciso ter consciência que 90% das empresas são micro e pequenas. Se forem impostas condições demasiado violentas, o grosso do tecido empresarial pode ter problemas complicados. Por isso, mais do que um acordo genérico, defendemos um acordo com questões concretas que sejam de facto úteis para as empresas. A pressão que o Governo está a fazer para chegarmos a acordo até Março não tem qualquer sentido.

O acordo será para vigorar até quando?
O Governo diz que pretende um acordo para a legislatura. É evidente que há um conjunto de medidas para as empresas que têm de ser enquadradas no Orçamento do Estado e que para 2020 já estão prejudicadas, porque o OE já foi aprovado. Para nós não é negativo um acordo para a legislatura, mas tem de ser um que tenha contrapartidas concretas e visíveis para as empresas, por isso não vemos com grande interesse fazer acordos generalistas. O Governo apresentou-nos uma posição que vai no seguinte sentido: o peso dos salários no PIB baixou nos últimos anos e faz sentido que melhore. Não vemos qualquer inconveniente. Quanto mais dinheiro as pessoas tiverem, mais consomem. Mas temos de nos preocupar com a viabilidade das empresas. Por isso não percebemos como é que será possível definir referenciais médios [para o aumento dos rendimentos]. Há sectores que podem ir mais além e outros que não poderão sequer chegar à média.

Muito se tem falado da necessidade de aumentar a produtividade, mas esta não tem crescido. Porquê?
A nossa posição é muito clara. A produtividade em Portugal tem vários problemas. Um é a falta de qualificação da mão-de-obra. Tem-se gasto muito dinheiro dos fundos europeus em formação e qualificação profissional, mas não tem sido suficiente. Segundo, há um problema complicado que é a qualidade da gestão da maioria das micro e pequenas empresas. Não temos vergonha nenhuma de dizer que a qualidade da gestão é baixa. Terceiro: o nosso tecido empresarial é altamente atomizado, o que, por si só, gera dificuldades de produtividade. Por isso, quer em termos de fundos europeus quer de outras políticas públicas, devem ser definidas prioridades e incentivos para que as pequenas empresas se fundam, se agrupem ou trabalhem em rede.

Isso é viável?
Há uma resistência cultural muito grande do tecido empresarial. Mas, de facto, existem situações em que a dimensão das empresas é uma limitação à produtividade. Não quer dizer que as pessoas não trabalhem ou que os gestores não tenham iniciativa ou não sejam pessoas honestas. Mas a estrutura empresarial é uma limitação à produtividade. Mesmo em termos de fundos europeus, para os governos parece mais favorável haver projectos para dar pequenos apoios a dez mil empresas do que menos apoios concentrados, mas a projectos de junção. As experiências feitas têm-se revelado positivas. O calçado trabalhou em conjunto na exportaç&atil

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