Desporto

Belmiro Gante: "o andebol pode muito bem morrer na cidade"

26 mar 2019 00:00

Entrevista | O presidente do Atlético Clube da Sismaria acredita que a nova sede vai dar vida ao clube da Estação, mas diz-se preocupado com o desinteresse dos miúdos pela modalidade.

A sede do Atlético Clube da Sismaria (ACS) já foi formalmente inaugurada. Que importância tem?

O ACS caiu muito quando saiu da sede original para o outro edifício arrendado, onde estivemos quase duas décadas, num local de passagem, de difícil estacionamento, nada acolhedor e as pessoas foram desaparecendo. Tínhamos mais despesas do que ganhos e, sinceramente, nem sei como conseguiam gerir o barco, pois dava prejuízos todos os meses, umas vezes de três dígitos e noutras ocasiões até de quatro. Foi essa a principal razão que nos fez mudar. Em 2015, fomos desafiados pelo presidente da Câmara, Raul Castro, para dar uma ocupação ao terreno que nos tinha sido cedido pela autarquia nos anos 80 e que permanecia completamente ao abandono. Começámos por fazer os campos de andebol de praia e a perspectiva era apenas uma barraca para guardar as bolas. Mas como é a minha área de trabalho, resolvi oferecer esta casa. Todos ficaram muito felizes, porque era muito mais do que esperavam ser possível. Ainda por cima, o clube não gastou um cêntimo.

Os sócios uniram-se em torno deste projecto?

Alguns sócios, que não são muitos, porque há bastantes empreiteiros de bancada, mas para trabalhar só temos meia-dúzia de pessoas. A obra ainda não acabou. Temos um projecto, mas não sei se vamos conseguir acabá-lo neste mandato. Estamos no segundo ano e são três anos. Falta arrelvar atrás das balizas, fazer um campo relvado de futebol de cinco, lugares de estacionamento e concluir a arrumação. É tudo feito por nós e se conseguirmos terminar será muito bom. Em três anos limpámos a cara e demos sinais de vitalidade. Temos tudo para vingar enquanto clube e ganhar algum dinheiro, porque o andebol é um sugadouro. Sem demagogia, ainda bem que se avançou com esta obra e que houve meia-dúzia de pessoas que deram o corpo ao manifesto para que ela acontecesse, porque o ACS tinha todas as condições para fechar dentro de pouco tempo, com o prejuízo que dava.

Ficou preocupado com o que se deparou quando regressou ao clube?

Mais do que preocupado, desgostoso. Tenho 45 anos de ligação à Sismaria e lembro-me de ir às festas com o meu pai. Sempre vivemos muito o clube, que foi uma casa para todos. Queremos que volte a ser. Foi por isso que criámos uma sala, com mais espaço para as pessoas se divertirem e vamos ter um mês de Maio, o do aniversário do clube, cheio de actividades.

Tem orgulho na obra feita?

Muito. As pessoas estão satisfeitas, porque já dá vontade de ir ao clube. No fim-de-semana, quando há transmissões de futebol, especialmente do Benfica, a sala está sempre cheia. E durante o sábado e domingo já há bastante movimento, de tal forma que até estamos a pensar meter outra pessoa a trabalhar. Temos o Euromilhões, que é uma boa valência, e acredito que muita gente, mesmo nas redondezas, desconhece que existe. Se conseguirmos cativar as pessoas da urbanização, pode ser espectacular. Já imaginou a esplanada cheia e os miúdos a brincar na areia? Estamos a investir para o futuro. Se disserem que estas não são as bases ideais, que venha outro e faça melhor. A sede é modesta, não é feita em alvenaria como muitos gostam, mas foi paga por algumas pessoas da casa e o clube não meteu um tostão. Emprestam-nos máquinas, um pedreiro trabalha por carolice ao fim-de-semana e o que lhe damos é um copo e uma sandes. Na Sismaria, a bifana e a imperial nunca irão faltar.

Há três anos falou-se da construção de um pavilhão da Sismaria na Aldeia do Desporto, num projecto comum da Câmara Municipal de Leiria, da Junta de Freguesia de Marrazes e do ACS. Em que ponto está?

É algo que me está cravado na garganta. Fizeram-nos uma promessa nesse sentido em que se iriam conjugar três entidades, sendo que sempre foi salvaguardado que o clube não tinha grandes condições para o fazer. Temos o projecto feito, está pago e está na Câmara. Se me perguntar se será construído, direi que dificilmente, pelo que me tem sido dito nas instâncias. É pena, porque seria uma boa infra-estrutura, num bom local, e que poderia devolver a identidade que se perdeu em Leiria quando foi construído o Estádio Municipal para o Euro’2004. Faz-me, de resto, impressão que falem em milhões para megalomanias, de muitos milhões, mas não haja dinheiro para questões básicas. Quando foi pensado estávamos à beira de ser postos fora do pavilhão da Escola Secundárias Afonso Lopes Vieira, mas felizmente está sanado.

No início da temporada havia uma grande esperança de os seniores poderem lutar pela subida. É possível voltar a ver o clube na 1.ª Divisão?

A Sismaria esteve na 1.ª Divisão há 40 anos e as coisas estão muito diferentes. Temos sete jogadores no estaleiro e a equipa principal está de rastos. Tínhamos essa perspectiva, é verdade, mas temos de pensar bem se é realista fazê-lo. Se temos hoje um orçamento de 35 mil euros para essa equipa, numa equipa de 1.ª Divisão passa para 100 mil euros e sem a certeza de nos conseguirmos aguentar. Precisaria de dez vezes mais parceiros e de um empenhamento diferente das várias entidades oficiais.

Leiria tem uma grande tradição no andebol e era rara a criança que não chegava a experimentar a modalidade. Isso mudou?

Mudou, porque não temos Ronaldos no andebol. Temos referências na cidade, excelentes jogadores de nível internacional, mas o peso do futebol deslumbra pais e filhos. Na verdade, Leiria já foi do andebol, mas nos últimos três anos temos tido uma dificuldade enorme em angariar miúdos. Mesmo indo promover actividade física e desporto às escolas primárias das freguesias de Parceiros, Colmeias, Marrazes e Leiria, onde dávamos aulas a mais de 200 crianças.

O desinteresse é grande?

É muito bom para os pais, que não se preocupam, ainda por cima é de borla e os meninos podem ficar na escola até às 18:30 horas. Claro que pretendíamos captar alguns miúdos, mas o resultado foi quase nulo e conseguimos três ou quatro crianças. Gastámos mais de 15 mil euros todos os anos e as entidades ajudaram-nos zero. É algo que nos faz pensar muito. Não há interesse das escolas, dos pais e quem está a custear é o clube. Queremos dar continuidade ao andebol, mas se a comunidade não estiver interessada torna-se impossível. Sinto que estamos a remar contra a maré. Temos dez bambis, quando devíamos ter trinta. Infantis são 15 ou 16. Pela primeira vez, este fim-de-semana, não fomos a um FestHand, porque não tínhamos cinco rapazes para ir. Se nada tivéssemos feito, ainda percebia, mas temos lutado muito. Este ano, o que recebemos dos miúdos não chega sequer para pagar as ajudas de custo aos técnicos. Curiosamente, era uma bandeira minha voltar a ter andebol feminino e está pujante. Já temos duas equipas. É mais fácil ir buscar meninas e noto que os pais estão mais presentes e dispostos a ajudar, até para encontrar patrocínios.

Mas na Marinha Grande e em Alcobaça parece que o andebol está mais pujante...

Esses dois pólos apresentam conjunturas diferentes da nossa, tanto em matéria-prima, como nas condições física e financeiras. Estão com alguma projecção e para o andebol do distrito é bom que cresçam. A massa humana que foi formada em Leiria esteve ou está agora na Marinha Grande. O que os fez mudar? A parte financeira. Nós não temos possibilidade de dar mais do que o apoio ao gasóleo aos nossos treinadores. São outras realidades financeiras. A SIR 1.º de Maio recebe da autarquia da Marinha Grande cerca de cinco vezes mais do que a Juve Lis e a Sismaria, em Leiria. As regras de lá devem ser diferentes das de cá. Estamos em pé de desigualdade e assim o andebol pode muito bem morrer na cidade.

A Associação de Andebol de Leiria tem uma nova Direcção. Que opinião tem dos primeiros meses de Nuno Soares no cargo?

Ainda estão à procura do seu espaço, mas têm um projecto, que espero que se concretize, que passa por contratar um director desportivo. É algo que pode alavancar os clubes e aumentar o número de miúdos que jogam andebol. Como associação, que fala por todos, poderá criar protocolos com várias entidades. Se tivermos uma pessoa a fazer esse trabalho, não tenho dúvidas de que o andebol vai voltar a subir. É importante que seja bem escolhida, porque tem de perceber de desporto, mas também de burocracia. E tem de ter o apoio dos clubes.

Está no segundo ano de um mandato de três. Já decidiu se vai continuar?

Queria fazer o que nos propusemos e gostava que depois surgisse alguém. Não sou apologista que fiquem dois, três ou quatro mandatos, como aconteceu no passado, apesar de, por vezes, ser difícil encontrar substituto. Um mandato está excelente, porque no segundo mandato - e isso vê-se muito - começam a criar-se raízes que não deviam crescer. Não me quero agarrar a isto. Estou aqui porque gosto do ACS, em termos humanos é gratificante, mas nada me traz de positivo em termos pessoais. O meu pai saía do trabalho, ia a casa jantar e corria para o clube. Era assim todos os dias e ficámos com esse bichinho.