Editorial

Vai ficar tudo bem, falta saber quando

30 dez 2021 14:34

Perante o cansaço acumulado e a evidente escassez de recursos humanos, é quase incontornável que os profissionais de saúde vão ter que continuar a vestir a capa de super-heróis

O ano que amanhã termina iniciou com uma lufada de esperança na vacinação e acaba com uma névoa de incerteza. A mesma que nos tem desafiado até aos limites, vai para 24 meses, qualquer coisa como 731 dias, ou 17.544 horas. Nestes últimos dois anos, todos temos sido postos à prova. Apesar dos esforços, os danos são colossais. Não só na economia, mas especialmente na dinâmica social. O tempo dos rostos tapados por uma máscara parece que veio para ficar, as saudações voltaram ao ritual do bate punho, ou do ‘toma lá uma cotovelada’, o distanciamento fincou raízes, a retoma do abraço tornou-se uma espécie de miragem, as desigualdades agravaram-se. Passámos a encarar com (relativa) naturalidade o teletrabalho, as reuniões online, as videochamadas profissionais e familiares. Os efeitos colaterais para as próximas gerações já se vislumbram, mas só mais tarde irão perceber-se na totalidade. Por agora, uma resumida retrospectiva do ano, para memória futura.

Janeiro despertou com elevada expectativa na vacinação contra a Covid-19. O processo enfrentou alguns atropelos iniciais, mas em Outubro, Portugal era já o País do mundo com mais vacinados (85% por cento da população). E, tal, como foi acontecendo no resto da Europa, as restrições sanitárias foram sendo levantadas, até que, chegados a mais um Outono, constatámos que o minúsculo vírus, do alto da sua aparente invisibilidade, ganhou requintes de metamorfose e conduziu-nos de novo para o campo da imprevisibilidade. Com a nova variante Ómicron, o número de infectados atingiu novos máximos e os serviços de saúde entraram de novo em estado de alerta, perante um previsível aumento de casos com necessidade de internamento. Espera-se que a pressão não seja tão grave como a do ano passado, mas perante o cansaço acumulado e a evidente escassez de recursos humanos, é quase incontornável que os profissionais de saúde vão ter que continuar a vestir a capa de super-heróis.

A nível político, o ano de 2021 acolheu mais umas eleições autárquicas e um chumbo do Orçamento de Estado. No primeiro caso, de salientar a conquista de algumas câmaras na nossa região por movimentos independentes. No segundo, ficaram a pairar legítimas dúvidas sobre o fracasso de um acordo à esquerda que permitisse evitar a queda do Governo e a consequente marcação de eleições legislativas antecipadas. Criou-se mais um compasso de espera, que pode ser entendido com um protelar no tempo na tomada de decisões. Decisões essas, que podem fazer a diferença entre gabar-nos de sermos os maiores do mundo na taxa de vacinados e termos de voltar a adoptar restrições de emergência. Isto num momento em que o País enfrenta um aumento inesperado no preço dos combustíveis, da matéria-prima, do produto final no supermercado. Basta consultar o último Boletim Económico do Banco de Portugal (BP) para para perceber do que estamos a falar.

“A economia portuguesa enfrenta importantes desafios nos próximos anos, sendo a resposta de política económica crucial para um crescimento sustentado e uma retoma da convergência com a Europa. A previsibilidade dos processos de decisão de política económica (monetária, orçamental, regulatória) é essencial para contrabalançar o aumento de incerteza que caracteriza os processos de saída de crises económicas”, pode ler-se no documento.

A notícia positiva é que o BP projecta um crescimento da economia portuguesa na ordem dos 5,8%, para o próximo ano, e revela um aumento na taxa de poupança das famílias, que passou de 7,2% em 2019 para 11,5% no segundo trimestre de 2021.

No plano ambiental, viveu-se mais um ano pouco animador. Registaram-se ondas de calor históricas, os glaciares continuam a derreter, e, segundo os especialistas, os fenómenos extremos, como os grandes incêndios e as inundações, poderão ser “o novo normal”. Em Novembro, ainda se depositaram esperanças na Cimeira do Clima das Nações Unidas (COP26), mas também aí o compromisso dos Chefes de Estado ficou aquém do esperado, de acordo com cientistas e activistas. Em Portugal, entre os principais passos para lutar contra as alterações climáticas, de salientar a aprovação da Lei de Bases do Clima e o fim da produção de electricidade a carvão.

Espreitando para 2022, vamos ter um novo Parlamento, com algumas caras novas a concorrer pelo círculo eleitoral de Leiria, prevê-se o regresso do tema da regionalização e espera-se que o tecido empresarial - que já deu mostras de resiliência e capacidade de reacção às contrariedades nacionais e internacionais – se mantenha atento às oportunidades criadas pela chamada ‘bazuca’ europeia, assegurando a realização de projectos estruturais e estratégicos no longo prazo.

Em suma, pede-se criatividade, união e cooperação. E a escolha para finalista da candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura, seria uma boa primeira prova para cimentar essa coesão.