Opinião

Sociedade feudal

28 mai 2018 00:00

"Uma breve leitura do Manifesto Comunista, de Marx e Engels, provoca um arrepio de frio quando encontramos a definição e a projectada evolução do Capitalismo, consumada nos nosso tempos."

Se a nossa civilização é mesmo, desde a Revolução Industrial um prodigioso movimento, destinado a atingir um pico civilizacional por estes tempos, como podemos explicar que essa ascensão esteja completamente desligada de um critério ético, politico e sobretudo de um desígnio filosófico que, enquanto tal, envolva nessa subida todos os elementos que compõem a Humanidade?

Estaremos cá apenas para construir a escadaria e ficar a acenar com lenços brancos à partida da nave que, quando a Terra rebentar, irá levar os ricos e infames autores dessa mesma explosão até outro planeta para iniciar de novo o capitalismo das espécies?

Desde os anos 50, no pós-guerra, que o Socialismo e o Comunismo são combatidos ferozmente nos EUA. Devido à influencia deste país no Mundo e à fácil penetração do seu estilo de vida e produtos de todo o género, nomeadamente, entretenimento, todo o mundo “civilizado” aceitou a "versão americana do Comunismo": uma corrente política não-democrata, que desrespeita os direitos humanos, a propriedade privada e a iniciativa própria.

Uma doutrina monstruosa que tem de ser eliminada conforme demonstraram os vários presidentes norte-americanos através da sua politica externa e interna.

Uma breve leitura do Manifesto Comunista, de Marx e Engels, provoca um arrepio de frio quando encontramos a definição e a projectada evolução do Capitalismo, consumada nos nosso tempos, pela vida e objectivos de todos nós.

Escrito em 1848, foi a base ideológica para revoluções sangrentas que pretendiam, acabando com o servilismo e a monarquia absoluta milenar da Rússia, formular uma sociedade alternativa, de novos contornos e que privilegiasse o direito a renegar uma vida vivida em busca do lucro, da posse e da dissociação.

Estes dois modelos governaram e ainda governam o Mundo e mesmo que aguados por reguladores europeus a afirmação plena da Economia sobre todas as outras vertentes de um Estado é a lição do triunfo capitalista estudada com afinco e concertada em pleno, não se importando com reflexões éticas ou sociais.

De que outra forma explicar taxas de juro usuárias e assassinas quando se pretende “salvar” um país? Muitas guerras foram, são e serão travadas em nome destas duas vertentes. Do Vietname à Síria, da guerra civil de Angola ao Afeganistão, a História dá conta não só de quem morreu mas de quem verdadeiramente lutava, muitas vezes alheio à razão final. Capitalismo e Comunismo mataram. Muito.

O revisionismo não ajuda a ninguém; tapar os olhos também não. O sangue continua a correr, ora mais de um lado, ora de outro. Pela parte ideológica e basilar do Comunismo já ninguém, verdadeiramente, se interessa. Temos uma definição que achamos clara do que é esquerda ou direita.

Aprendemos no Facebook. Dizer que seria tempo de abrandar a voragem capitalista e tentar uma alternativa é proferir um sacrilégio. Mesmo quando as peças se “ajuntam” e a corda desaperta, a desconfiança geral perante alguém que diz dividir, partilhar, nacionalizar, justificar riqueza, diminuir o fosso entre ricos e pobres, mais parecem coisas saídas dos livros distópicos.

Não se fala esse alfabeto aqui. Nós, esta noite, é mais gatos e Netflix, de dia queixarmo-nos da gasolina e ir andando. E enquanto andamos, reparamos que um ministro fez uma falcatrua qualquer mas que, como (quase) sempre, ciente de que nada lhe irá acontecer, arranjou uma desculpa esfarrapada, invocando uma santa ignorância.

Como se nas nossas caixas de email, telefones e caixas de correio de comuns cidadãos não caíssem todos os dias, lembretes (pouco amigáveis) sobre as nossas obrigações fiscais. Ainda ontem descobri que me tiraram o contador da água por uma dívida (que nem conhecia) de 10 euros!

Uma senhora hoje, no Forum TSF, comparava tudo isto com uma sociedade feudal. Onde os nobres, como se diz agora, eram discriminados positivamente. Isso fez-me pensar em quão longe estará o nosso querido capitalismo social das estruturas em cúpula das sociedades medievais?

Quantos mais anos teremos de trabalhar para alimentar este dragão? E quão impunes se sentem os que estão dentro do castelo? É esse cálculo que temos de fazer antes que os cascos dos cavalos dos novos nobres nos esmaguem nas ruas.

*Vocalista e líder dos Moonspell