Opinião

Quase terrorista

13 fev 2022 22:29

Ao deus Dará

O meu avô chamava-me terrorista de vez em quando. Eu era um daqueles terroristas fofinhos treinado pelo mimo que só os avós conseguem providenciar. Se calhar todos fomos um pouco terroristas a dada altura. E, às tantas,  nem sempre da forma inocente e carinhosa que os avós utilizam para descrever os netos mais irrequietos. Esta semana calhou a um rapaz ali para os lados de São Mamede  ser nomeado um quase terrorista à escala nacional. Portugal como é um país do quase, tem o seu quase terrorismo. Mas, como não estamos aqui para discutir politica, sociologia, nem definições de terrorismo, conto-vos, mais ou menos, a minha situação dentro da situação. 

Um jovem vitima de autismo, Asperger, bullying e de algum tipo de dor profunda  foi apanhado pela rede cada vez mais fina da doença mental. Vagueou pela internet pelo lado negro, orientou umas flechas, uns cocktails e preparava-se para perpetrar uma chacina na universidade que frequentava em Lisboa.Tudo isto alegadamente, pois está claro, que por alguma razão que só lembre ao diabo,  pode alguém estar a ler esta verborreia e eu não estou para tribunais. Felizmente a PJ e o seu sidekick, FBI, evitaram o que quer que fosse acontecer. Foi mau para a Alerta TV, que assim não conseguiu espremer sangue durante meses, mas foi o melhor final possivel para o resto do país. Felizmente por estas bandas não se pode comprar uma G3 no supermercado, mas uma destas coisas à americana irá acontecer por cá um dia destes. Não há hipótese. Para um transtornado que seja atacado pela vontade de limpar o sebo a pessoas indiscriminadamente, ser o primeiro a cometer um massacre em Portugal, é capaz de ser uma ideia sedutora. 

Podemos pegar no novelo da novela por várias pontas: O flagelo da doença mental num país que se vê à rasca para orientar médicos de família para todos, onde a psicologia e a psiquiatria acessível é, e será, uma miragem e as doenças da parte de dentro da cabeça são, e serão, as maleitas pobres da saúde e tendo em conta que estamos todos a ficar pior da mioleira...

A quantidade de horas que passamos escondidos à frente de um ecrã e em que é que isso nos transforma e transtorna. Cada vez estamos mais agarrados a essa vida digital e menos à analógica, sem soluções para essa adição, sempre a ressacar estímulos, o futuro vai ser uns pixeis abaixo do desejado, certamente. 

Darkweb? O que é isso? Que perigos, crimes e outras coisas escabrosas alberga e o que é que se pode fazer para monitorizar o que por lá anda quando até a web normal é uma fonte de problemas sem aparente solução. Caixas de comentários, fakenews, fotografias de almoços no instagram... o que poderá estar de ainda mais horrível na parte escura da internet?

O bullying, que continua a fazer vitimas, algumas mortais, e que não parece ser combatido eficazmente, talvez precise de um bully que o meta no lugar. A PJ e a sua recente tara masturbatória sob os holofotes que desta vez pariu um carimbo de terrorismo precoce talvez precise de se conter mais um bocadinho. As condenações na praça publica que são muito bonitas porque só acontecem aos outros. A dor horrível que toda aquela família estará a sofrer e todas as provações que terá ainda de atravessar. Tudo isto, no fundo, são problemas graves para os quais me estou a marimbar, assim como vocês. 

Em relação à forma como o jornalismo trata destes casos já não posso estar assim tão desligado, mas só porque me calhou na rifa ser jornalista, e tenho de lá andar, caso contrário estaria como vocês, completamente a borrifar-me. 

Como é óbvio o caso é noticia mas com que direito ou necessidade se invade uma pequena comunidade armados de câmeras, microfones, circo e perguntas que nada somam? O que é que acrescenta a cara do miúdo à nossa informação?  Que papel devemos assumir para evitar a mimetização nestas situações? Que palavras se escolhem, das muitas que existem, para se apresentar o caso? Valerá a pena entrar a pés juntos sobre a deontologia para sacar umas partilhas nas redes sociais? Justifica-se meter o avô de 89 anos a falar sobre o neto depois de um acontecimento que nem nós conseguimos explicar quanto mais o homem? O que é que a ERC e a comissão da carteira de jornalista fazem mesmo? 

Numa altura em que nos chamam de "jornalixo", com cada vez menos leitores, em dificuldades de várias ordens, sendo nós, comunicação social, cada vez mais necessários, talvez devêssemos perceber o que é andamos aqui a fazer e não embarcar na febre voraz das redes e do imediato. É que seria muito mau perguntarem ao meu avô pela minha conduta e ele voltar a dizer que eu era um terrorista, não tanto por ele já estar morto, mais por ser capaz de estar certo!