Opinião

“Ou viramos as costas e vamos viver para outro sítio ou fazemos algo para mudar a situação”

6 jul 2017 00:00

"Diz-se que as organizadas plantações das empresas de celulose não ardem. Mas ardem e também ferem bombeiros profissionais, como se verificou esta semana, em Castelo Branco."

Os portugueses estão cansados dos incêndios florestais que, ano após ano, enchem o ar de fumo e cinza, destroem lares e ceifam vidas. Os incêndios florestais consumiram 61.624 hectares nos primeiros seis meses do ano e 2017 foi considerado o período com maior área ardida desde 2007 e o quinto ano com mais ocorrências desde essa data, comparando com os períodos homólogos.

O fogo não é uma inevitabilidade, embora muita gente considere que Portugal e incêndios florestais são sinónimos e os imensos braseiros estivais o “novo normal”. Já muito se debateu sobre esta questão e muito se disse. Talvez seja esse o problema. Fala-se muito e pouco se faz.

Em vez de se tomarem medidas contra o fogo e protecção de vidas, parece mais importante saber se foi um raio, se foi o SIRESP, se foi a Protecção Civil ou se foi um fósforo o culpado da morte e destruição em Pedrogão Grande.

Sim, é preciso encontrar culpados, mas está provado que a destruição foi causada pelo fogo, potenciado pelo tipo de floresta plantada. Antes de começarmos a apontar dedos acusatórios, precisamos de saber quem são os proprietários da floresta e do eucaliptal que cobre já a maioria do território florestal nacional.

Se excluirmos os grandes conglomerados da pasta de papel, é gente idosa que vive no interior afectado pelo despovoamento, sem forças ou recursos para limpar os seus terrenos.

Também se diz que as organizadas plantações das empresas de celulose não ardem. Mas ardem e também ferem bombeiros profissionais, como se verificou esta semana, em Castelo Branco.

Nesta edição, damos o exemplo de duas aldeias que se cansaram de esperar por soluções caídas do céu. No mesmo dia em que os deputados da Nação dos três partidos que estiveram no poder desde 1975 pediam a cabeça uns dos outros por aquilo que os próprios não fizeram, os habitantes de Ferraria de São João e Casal de São Simão resolveram tornar as suas aldeias mais seguras. E a solução está ao alcance de todos.

Se o eucalipto e pinheiro são o problema e a epítome da desordem florestal, há que restaurar a floresta e a ordem que os olhos romanos de Estrabão e de Plínio-o-Velho testemunharam quando, há mais de 2100 anos, chegaram à Península Ibérica e relataram que um esquilo poderia saltitar de ramo em ramo nas várias espécies de quercus – carvalhos, castanheiros, sobreiros e azinheiras, as agora apelidadas “árvores bombeiras” –, entre os Pirenéus e Olisipo (Lisboa).

“Quero que os meus filhos possam continuar a viver numa aldeia onde se pode estar de porta aberta e onde possam trepar às árvores... e isso foi posto em causa no dia 17. Eu e a minha mulher tivemos de pensar seriamente se queríamos cá continuar a viver. Os meus filhos eram felizes aqui, antes do fogo, e quero que o continuem a ser”, desabafou ao JORNAL DE LEIRIA Pedro Pedrosa, habitante de Ferraria.

Há oito anos, mudou-se para uma aldeia onde ainda havia vegetação autóctone, entretanto arrancada para dar lugar a plantações de eucalipto. Aníbal Quinta foi o primeiro, há 30 anos, a chegar a Casal de São Simão, no concelho de Figueiró dos Vinhos, quando só ali havia ruínas. Recuperou um novo lar com o suor do rosto e está cansado de ver o fogo rondar-lhe a soleira da porta e de viver num verdadeiro barril de pólvora.

Ambos convenceram os vizinhos a criar uma zona de segurança, sem eucalipto e com “árvores bombeiras”, à volta das aldeias e impedir que o fogo volte a roubar-lhes as casas, as culturas e a vida. Pedrosa resume o drama que se coloca a todas as populações rodeadas pela desorganizada floresta portuguesa: “ou viramos as costas e vamos viver para outro sítio ou fazemos algo para mudar a situação.

Temos consciência de que, se ficamos à espera de ajuda das autoridades, irá demorar demasiado tempo".

*jornalista