Opinião

Os números não mentem?!

11 fev 2016 00:00

Olha! Não desato a rir, porque, por decoro, acho que é para chorar, quando alguém, com grande prosápia, afirma, por exemplo, que A falhou a previsão do PIB crescer 1,3%, quando afinal se ficou por 1,2%.

Meu Caro Zé,

A situação em Portugal é cada vez mais confusa. Para essa confusão contribui, em muito, a “guerra” de números que o Governo, a Oposição, a Comissão Europeia, as agências de rating, os comentadores, etc., atiram para a frente quer para defender os seus pontos de vista, quer para contradizer as posições dos outros!

Quantas vezes várias pessoas me perguntam quem tem razão?! Acham que eu sei e aqui estou como Sócrates (o grego, nada de confusões!): “Só sei que nada sei!”. Penso ainda, perante essas perguntas, se chegarei ao limite extremo do médico português, Ribeiro Sanches, que, no séc. XVIII, afirmava: “Sei lá se nada sei!”. Aí decidi parar, pois acho que sei aquilo sobre “o que nada sei”! E é aqui que entra o problema dos números.

Olha! Não desato a rir, porque, por decoro, acho que é para chorar, quando alguém, com grande prosápia, afirma, por exemplo, que A falhou a previsão do PIB crescer 1,3%, quando afinal se ficou por 1,2%. Será que não sabem que não há cálculo exato do PIB e que o melhor que se consegue são estimativas, todas elas baseadas em hipóteses, muitas vezes contestáveis e raramente explícitas, de tal forma que a variação acima assinalada está dentro da margem de erro das estimativas feitas? Pior que isso!

A generalidade dos comentadores políticos (e até, infelizmente, economistas) referem-se aos valores do PIB como “riqueza” de um país, em lugar do “rendimento”, ou melhor ainda, do valor acrescentado bruto dentro do país, num determinado ano. E isto é grave por duas razões: em primeiro lugar porque confundem rendimento (que é um fluxo, isto é, uma quantidade por unidade de tempo) com riqueza (que é um stock, isto é, um valor acumulado ao longo do tempo). Isso significa que o rendimento é a variação da riqueza nesse ano.

Em segundo lugar, é o assimilar o PIB ao Rendimento. É que o “B” do PIB significa “bruto”! Em termos simples, significa que se eu derrubar um pinhal e exportar a madeira digo que o PIB aumentou (e é verdade), bem como o rendimento. Mas quanto à riqueza, cautela! Vendi o pinhal, mas fiquei sem ele, e por isso, a riqueza, que incorporava a posse do pinhal, diminuiu e foi, apenas, compensada pelo rendimento gerado. Ficámos pior ou melhor?

Depende do montante arrecadado pela venda e do custo dos efeitos ambientais que eventualmente se perderam. Do mesmo modo, quando nos gabamos de investimento estrangeiro que compra apenas ativos empresariais que já existem pouco se altera na estrutura produtiva nacional, ao contrário daquele que se materializa na criação de novas instalações produtivas. Os efeitos sobre o emprego são radicalmente diferentes.

Dei estes dois exemplos para materializar os equívocos com que, diariamente, somos bombardeados. Por que será? Deixo três alternativas (admitindo que ainda há mais): ignorância, falta de reflexão, má fé! Todas elas são preocupantes mas a última é a mais grave no contexto em que situo o início desta conversa.

Francisco Lucas Pires dizia que “a meia verdade é mais corrosiva que a mentira”. Mas Joyce Carol Oates é ainda mais radical: “A forma mais insidiosa de mentira é a omissão”.

Pois é, Zé! Olhemos à nossa volta e vejamos como isto é o “dia a dia”! Os números mentem? Não! Quem mente são as pessoas que os usam! Até sempre,

*Professor universitário