Sociedade

O valor dos valores

13 abr 2017 00:00

Olá pessoas adultas que têm o telemóvel à pinha de fotografias de crianças e não são aquele apresentador de televisão famoso, tenho terríveis notícias para vossemecês.

Eu sei que fazem tudo o que está ao vosso alcance para os vossos filhos viverem o menos possível.

O menino não pode cair, o menino não pode andar descalço, o menino tem de correr mais devagar, não pode saltar do muro que é muito alto, não pode subir à árvore que ainda se pode magoar, não pode assapar ribanceira abaixo, com a bicla sem travões e em tronco nu, o menino não pode comer manteiga, chocolate ou pezinhos de coentrada. Sabem no que isso vai dar?

Vai dar num menino muito bem comportado, sem uma única cicatriz. Por outras palavras, um xoninhas com o interesse de um livro dos jeovás! E vocês, confiantes que produziram um anjinho vão sofrer, porque no dia que se apanhar de trela solta vai lançar uma televisão de uma janela de Torremolinos ou pior, vai escrever poemas com candura, pele e bruma, inscrever-se numa jota e ficar sem jeito ao encostar-se a um balcão de um bar para socializar.

Esta é a terrível noticia que tenho para vocês: Quem somos em adultos será sempre um cocktail de casualidades, circunstâncias e valores enfiados à laia de xarope pelos nossos pais durante o nosso crescimento. Para condicionar a aleatoriedade, só nos resta incutir-lhes os valores certos, com doses cirúrgicas de sermão e exemplo.

Por muito que nos custe temos de os deixar viver, confiantes que nos momentos decisivos escolherão o lado bom da força. Eu esfolei-me todo várias vezes, andei à pedrada e furei cabeças, inclusivamente a minha, fugi de casa, roubei várias cenas em vários sítios e em várias fases da vida, parti móveis, paredes, ossos e corações, e alguns eram meus.

Faltei às aulas, copiei em testes, bebi de tudo, experimentei alguns estupefacientes, várias vezes, fui à catequese, à bruxa, a casas de meninas, de traficantes, parvos, porreiros e, quem diria, acho que acabou por resultar.

Quantos é que conheces que andaram no colégio alemão, leram os clássicos, aprenderam piano com uma professora soviética, não praguejavam e comiam como uma família feliz numa mesa Luis XIV, forrados a babetes de seda e a talheres de ouro e acabaram por morrer a chutar cavalo numa casa devoluta? Nenhum? Estás como eu!

Mas há, porque há de tudo e essa é a força motriz deste circo onde nos enfiaram. Não quero parecer apologista da estroinice, mas, se algum dia, por acaso, eu morrer, há-de ser com muitas histórias para contar. Sempre sem faltar ao respeito a ninguém, para além de mim próprio.

Bom, vou, tenho de ir ali pôr um buda no elevador.