Opinião

O que estamos cá a fazer?

2 set 2022 09:34

Encontrar um sentido de propósito para a vida não é tão simples como parece, é antes um processo em permanente reconstrução, que pode ser alterado em função das experiências que vivemos.

Há 30 dias que não ligava o computador. Confesso que ainda não tinha saudades deste mono que diariamente carrego às costas, mas o que é bom, como sabem, acaba depressa.

Estive de férias. Trabalhar na área da educação dá-me o privilégio de ter um mês de agosto folgado e eu adoro fazer nenhum à hora que me apetece! Há liberdade na ausência de compromissos e isso é terapêutico, dá saúde e prepara-nos para a season de lufa-lufa que se aproxima.

Também gosto de trabalhar, ficava mal se dissesse o contrário. Trabalhar, para além de uma obrigação instituída, é para mim também uma forma de me sentir útil, recompensada e agradecida. Simplificar e apaziguar bem podiam ser os meus nomes do meio e é essa leveza que tento deixar em cada contacto que tenho com as crianças e respetivas famílias. Se ao fim do dia sentir que tranquilizei e amenizei a inquietação de alguém, vou bem para casa.

Pensando bem, sempre gostei de me sentir útil. Talvez até seja um dos sentidos de propósito que orienta a minha existência. Nunca pensei nisto assim, mas à medida que passo os pensamentos para o concreto, apercebo-me que é cada vez mais como diz a canção ”a dor que mais me mata é fazer falta a ninguém”.

Acho que qualquer um, a certa altura da vida, se confronta com questões do género: O que ando cá a fazer? O que me alimenta e me faz mover? Estas dúvidas tendem a surgir essencialmente em momentos de fragilidade, mas não só. Esta procura é uma parte natural e significativa da experiência humana, desde sempre comum a todas as pessoas. Um sentido de propósito assume-se até como um ingrediente essencial à nossa saúde psicológica.

E vocês, sabem o que andam cá a fazer? Não existem respostas certas nem erradas e se não souberem responder, não se apoquentem. Encontrar um sentido de propósito para a vida não é tão simples como parece, é antes um processo em permanente reconstrução, que pode ser alterado em função das experiências que vivemos.

Eu tenho uma resposta cliché, mas que deve ser levada a sério. Não tenho dúvidas que seja o amor a fazer a máquina funcionar. O amor capacita, é facilitador e tolerante, ouve, compreende e aceita, empatiza. Se não caminharmos deste lado da vida, então está tudo a passar-nos ao lado. E quando falo em amor, começo pelo amor próprio: aceitar as nossas imperfeições e perdoar os nossos erros. Para além de reduzir ansiedades, ajuda-nos a adotar respostas mais competentes na presença de novos obstáculos e torna-nos mais compassivos.

Fala-se muito em empatia e em compaixão como unificadores e fatores de humanização. Concordo a cem por cento. Para além de gerarem comportamentos pró-sociais, apelam à sensibilidade pela diversidade e à necessidade de não discriminação. Também nos causam sofrimento, é verdade. Vestir as dores dos outros à luz dos seus recursos dói. Dói, mas impele à ação.

Ser empático é uma característica da personalidade. Há quem seja mais, há quem seja menos e há quem não o seja, mas a boa notícia é que em qualquer circunstância se pode aprender a sê-lo:
- aprender a reconhecer as nossas emoções e a distingui-las das emoções dos outros;
- compreender os sentimentos dos outros e ver a realidade da sua perspetiva;
- substituir o nosso julgamento por curiosidade;
- ouvir com atenção e fazer perguntas, mostrar interesse e assumir uma postura de disponibilidade;
- mostrar genuína preocupação com o bem estar dos outros (ex.: contribuir para uma causa);
- expormo-nos à diferença (ex.: falar com um sem abrigo; estudar a cultura de um imigrante);
- ler/ouvir histórias com diferentes personagens que apresentem reações e motivações distintas;
- identificar pontos em comum com os outros, em vez de nos focarmos nas diferenças;
- questionarmo-nos e pormo-nos em causa, podemos ser nós a estar errados / despirmo-nos de preconceitos.

Entender o ponto de vista do outro, ser capaz de sentir aquilo que sente, ter o desejo de promover o seu bem estar e de aliviar o seu sofrimento é do mais poderoso e bonito que há. Citando James R. Doty, médico neurocirurgião e professor americano, não há que ter vergonha por nos importarmos ou por sentirmos a dor de outra pessoa. É, na realidade, na sua opinião, a razão por que estamos juntos na vida. Faço das suas as minhas palavras. Em Darwin, na sua lei do mais forte, talvez nos tenha escapado qualquer coisa. O mais forte na realidade, o que sobrevive e garante a continuação da espécie, é, sem dúvida, o mais bondoso e cooperante.

Be good!