Opinião

O culto do carro

18 ago 2016 00:00

O aumento de passageiros verificado nos Transportes Urbanos de Leiria (Mobilis) é uma boa notícia e um indicador de que as alterações introduzidas pela Câmara Municipal estão a conseguir captar mais utilizadores.

Os dados fornecidos pela Câmara mostram que em Maio e Junho o Mobilis transportou mais de 153 mil pessoas, um crescimento de 15% face aos mesmos meses do ano passado.

Ou seja, são cerca de 75 mil pessoas a utilizar mensalmente este meio de transporte como solução para as suas viagens do dia-a-dia, um número que só não será já superior por a rede Mobilis não ter ainda capacidade de linhas e de horários para chegar a mais pessoas, mas, principalmente, pela mentalidade adversa ao uso de transportes públicos que está instalada na nossa sociedade.

A verdade é que, ao longo dos anos, a mensagem passada para a população ajudou a desenvolver o culto do carro, sendo paradigmático o investimento em alcatrão em detrimento da ferrovia, ao contrário do que aconteceu um pouco por toda a Europa.

Paralelamente, no pós-25 de Abril, o carro surgiu como um sinal de afirmação, conferindo um estatuto de sucesso e de posicionamento social que levou a que as famílias portuguesas fizessem todos os esforços para conseguirem ter um automóvel, e mais tarde dois ou três, na garagem das suas casas.

Como noutras sociedades de mentalidades retrógradas, característica dos países mais atrasados, impôs-se a ideia de que só os mais desfavorecidos andam de transportes públicos, sendo ambição reinante fazer-se transportar em carro próprio. De preferência, grande e caro.

Nos últimos anos, no entanto, tem-se percebido que as novas gerações, com maior formação e 'mais Mundo', têm introduzido uma outra forma de pensar na nossa sociedade, trazendo consigo hábitos com que contactaram noutros países.

Um deles, foi precisamente uma maior procura dos transportes públicos, e também da bicicleta, para se movimentarem. Outro, talvez mais importante, foi a naturalidade com que o fazem, sem qualquer preconceito ou vergonha.

Ter carro deixou de ter a carga simbólica que as gerações mais antigas lhe conferiam, tendo surgido uma mentalidade que privilegia as viagens, o consumo de espectáculos e a frequência de restaurantes, bares e hotéis.

Jovens que querem movimentar-se rapidamente, sem grandes constrangimentos e a baixo custo. Para quem as preocupações com o trânsito, o estacionamento ou as operações stop têm pouco sentido. Uma geração que recebeu o Uber de braços abertos e que está super-disponível para outras formas de mobilidade que lhe facilite a vida.

O problema é que esse sinal de modernidade e avanço civilizacional que se percebe nas novas gerações tem esbarrado num País pouco preparado para o receber, pois, excluindo Lisboa e Porto, as soluções de transportes públicos são fracas e desmotivadoras.

Começa-se agora a pensar um pouco nisso, de que os recentes serviços de transportes urbanos são um exemplo, mas o caminho a percorrer será ainda muito longo até que Portugal se possa dizer um País moderno e desenvolvido em termos de mobilidade e transportes.

*Director