Opinião

O apagão deveria ser esclarecedor

2 mai 2025 16:22

Portugal não se consegue aquecer, iluminar, comunicar, transportar, comer e beber de forma autónoma

Dia 28 de Abril, 23h48. No momento exacto em que escrevo este texto, a electricidade já regressou ao centro de Leiria. Foram cerca de 12 horas com mais ou menos desorientação por parte da sociedade civil em termos de comportamento económico e que, em alguma medida, fez lembrar o período da Pandemia – o medo, a vulnerabilidade e a ausência de planeamento.

A sociedade ainda não tomou a devida consciência de que Portugal é um país fragilíssimo. Portugal não tem auto-suficiência energética. Em termos de energia eléctrica, Portugal tem uma balança negativa (exportações menos importações) de 700 megawatts/ano com Espanha. Portugal não tem reservas de gás natural e, por isso, precisa de importar, sobretudo, da Argélia e da Nigéria. Portugal não tem reservas de petróleo e, por isso, importa, anualmente, mais de 9 milhões de toneladas de petróleo.

Em termos alimentares, a auto-suficiência do País é cerca de 80%, i.e., Portugal precisa de importar cerca de 20% de alimentos para poder comer todos os dias. Os grandes rios portugueses, Minho, Douro, Tejo e Guadiana, não nascem em Portugal e têm mais quilómetros de serventia em Espanha. Em bom rigor, Portugal não se consegue aquecer, iluminar, comunicar, transportar, comer e beber de forma autónoma.

A velha máxima salazarista do “orgulhosamente sós”, se fosse hoje, seria orgulhosamente mortos. O grau de abertura da economia portuguesa (exportações mais importações e a dividir pelo PIB) é de 95%, i.e., a quase totalidade da economia portuguesa é exposta a factores externos. Tudo o que acontece lá fora tem impactos cá dentro. A vulnerabilidade extrema da economia e da vida portuguesa deveria, sobretudo em período eleitoral, abrir o debate para as novas funções do Estado.

Em teoria económica, por exemplo, ensina-se que as intervenções correctivas do Estado, segundo Richard Musgrave (1959), devem ser para a promoção da eficiência (uso pleno dos recursos), da equidade (justiça social) e da estabilidade macroeconómica. Trata-se de uma visão completamente antiquada, mas que é ainda hoje ensinada nas salas de aula.

Como é possível Portugal importar energia espanhola apenas por ser mais barata e não ter um plano de contingência no caso de se desligar do mercado ibérico? Como é possível a água, sendo um recurso estratégico, ter preços municipais tão díspares? Como é possível Portugal, importador de comida, ter cerca de 30% de desperdício alimentar? Como é possível Portugal, que não tem petróleo, não ter uma política ambiciosa e concreta para os transportes públicos e ferroviários?

Países como Portugal tem que ter como uma função estratégica do Estado planos de contingência, não para recursos escassos, mas para recursos inexistentes. Este apagão pode servir para esclarecer sobre as novas funções do Estado num ano em que vai haver um novo Governo.