Opinião

O Antropoceno

25 set 2020 11:03

Nos EUA, cada pessoa come em média, por ano cerca de 124 kg de carne.

O sistema clássico e linear da actividade económica que tem vigorado nos últimos duzentos anos desde a ascensão da Revolução Industrial é o uso intensivo dos recursos produtivos não renováveis da Terra para a produção e distribuição de bens que possam satisfazer as infinitas necessidade dos consumidores.

De acordo com o Banco Mundial, mais de 60% da produção final executada pelos países (o PIB) tem como destino final o consumo, sobretudo dos particulares.

Toda esta actividade ao serviço do consumo tem como principal fonte energética o petróleo.

Para dados de 2016, o planeta consumiu 97 milhões de barris de petróleo por dia o que é equivalente a cinco barris de petróleo por pessoa ao ano.

De acordo com o Our World In Data, em 1901 o consumo anual de água foi de 500 biliões de m3.

Actualmente, o consumo é de quatro triliões (18 zeros) de m3. Este aumento exponencial deve-se essencialmente ao uso intensivo da água para a indústria e a agricultura.

Aliás, existe uma relação linear e robusta entre o PIB per capita e o consumo anual de carne e vaca.

Nos EUA, cada pessoa come em média, por ano cerca de 124 kg de carne.

As emissões intensivas de CO2 são um problema global, mas com uma forte concentração asiática, com a China responsável por 28% das emissões e a Índia por 7%.

Segundo Anthony Venables (2006), há uma nova Geografia Económica no Planeta orientada para a acentuada urbanização e a concentração territorial dos processos de produção.

A verdade é que, segundo Stefano Mancuso (2020), “o Homo sapiens é a única espécie credenciada para dispor do planeta em função das suas necessidades.” E que, segundo Naomi Klein (2020), trata-se de uma “atitude mental expansionista e extractiva que há tanto governa a nossa relação com a natureza.”

Portanto, é neste domínio que o prémio Nobel da Química de 1995, Paul Crutzen (2000) inventou o termo Antropoceno, enquanto época geológica pós-Holocénico.

Para o economista Jeffrey Sachs, o Antropoceno significa uma era em que a Terra está tão dominada pelo Homem que o grande volume de actividades humanas desvalorizou todos os sistemas fundamentais para a sustentabilidade da vida.

É um desligamento do Homem com a natureza.

A apropriação excessiva dos recursos vitais dos ecossistemas do planeta tem trazido fortes impactos na transformação do solo, na utilização da água, na emissão de CO2 e na concentração de dióxido de azoto (NO2).

Trata-se de um conceito sob debate mundial e que ainda não foi formalmente aceite pela União Internacional de Ciências Geológicas (UICG).

Apesar do seu não reconhecimento estatutário enquanto nova era geológica, parece reunir um largo consenso científico de ser, pelo menos, uma visão de disrupção entre as actividades do homem e o seu total desligamento irresponsável com a natureza.

E é nessa medida que Naomi Klein, na sua última obra, O Mundo em Chamas (2020, pg.90), propõe um programa para o clima (em era de Antropoceno) como uma forte intervenção de políticas públicas ao nível do consumo, da regulamentação, da fiscalidade e do comércio internacional.

Independentemente do reconhecimento por parte da UICG, a verdade é que a nossa era geológica já é outra, é a do Antropoceno, a era da Terra a ser delapidada ao serviço das mais fúteis necessidades humanas.