Opinião

Música | Uma editora e um disco

14 fev 2021 20:00

Há cerca de dois anos e meio, em Lisboa, um pequeno grupo de amigos juntou-se porque queria fazer música e expressar-se através dela

Ainda jovens, mas todos tinham algo para dizer sobre as suas próprias lutas existenciais e experiências discriminatórias e repressivas de que eram alvo, escolheram reagir pela arte e pela música. 

Enquanto colectivo que assegura um porto seguro para artistas únicos e genuínos que nem sempre tiveram oportunidade de expor a sua identidade, seja pela sua orientação sexual ou pelo tom de pele, desafiam as estéticas da música electrónica e da R&B, enquanto família criativa e editora sob o nome Troublemaker Records. 

Quando, em Dezembro passado, lançaram, em poucos dias, temas novos de Odete e de Herlander mostram definitivamente que a Troublemaker está aqui para o que der e vier e tem todos os argumentos para dar que falar, mostrando uma identidade estética e musical tão vincada como interessante e com sede de explorar e de surpreender. 

No seio da Troublemaker, além de Herlander e Odete, urge escutar Ness e, obviamente, Phoebe, o projecto musical do leiriense Bruno Trigo Gonçalves  que que tem sido um autêntico mentor desta editora e deste movimento. A devida vénia!

Foi também no final do ano passado que ficámos a saber que duas das mais brilhantes mentes da música actual, o californiano Otis Jackson Jr. (conhecido por Madlib) e o londrino Kieren Hebden (conhecido por Four Tet) iam unir forças e, vai daí, a expectativa de Sound Ancestors subiu em flecha e não era para menos. 

Acabado de lançar, este disco teima em não me sair do ouvido e mostra-me sempre qualquer detalhe diferente a cada audição, não estivessem aqui reunidos centenas de samplers de quase todas as estéticas musicais. 

Para lá de músicos e produtores aclamados, estamos perante dois coleccionadores com um conhecimento enciclopédico, um ouvido eclético e dotes para respigar o que de melhor se gravou, criando autênticas obras de exploração e de referência.

Era mais do que óbvio que os melhores sons samplados por Madlib e organizados por Four Tet iriam transfigurar-se num dos maiores marcos do hip-hop instrumental. E, por incrível que pareça, às vezes a realidade supera a expectativa. Neste constante processo de descoberta de detalhes e camadas, aguarda-se ansiosamente a chegada do vinil e deseja-se mais parcerias destas.