Opinião
Música | Serge Gainsbourg
É preciso ir à descoberta, traduzir e procurar mais sobre o sentido daquelas canções
Devo ser da última geração que ainda teve a língua francesa ao mesmo nível da inglesa no ensino secundário. Tempos houve em que falava melhor francês do que inglês, talvez por ter andado na Alliance Française ali na Heróis de Angola, com os sábios ensinamentos da Mademoiselle Susanne, e no liceu Rodrigues Lobo ter tido como professora a implacável, extraordinária e maravilhosa Rosa Veludo.
Este contacto com o francês levou-me a conhecer melhor a arte e cultura daquelas paragens e há um nome que se destaca lá por casa no meio dos filmes, livros e discos: Serge Gainsbourg, ou para os amigos, Serge Gainsbarre – alter ego que o artista inventou para o seu perfil mais provocador e hedonista, que nos anos 1980 terá consumido sem limite taças de champanhe e cigarros Gitanes.
Ao longo dos anos, fui andando para cá e para lá com a discografia de Serge Gainsbourg, optando muitas das vezes por ouvir uma antologia que reúne os temas mais marcantes do artista. Mas nos últimos dias, ando a explorar o disco L’Homme à tête de chou (1976), recorrendo ao tradutor da Google, que o meu francês já não é o que era. As letras difíceis deste álbum estão embrulhadas em várias metáforas para contar uma história de um homem loucamente apaixonado por Marilou, uma jovem e sensual cabeleireira. Marilou é a musa e a maldição, um amor que começa com uma obsessiva fantasia erótica e acaba em tragédia. Alerta spoiler, mas Marilou é morta com golpes de um extintor de incêndio e o protagonista acaba internado num hospital psiquiátrico.
Neste disco, um dos momentos altos é a faixa - capítulo “Variations sur Marilou”, que anos mais tarde Jane Birkin considerou numa entrevista, e cito de cor, “um dos mais belos e complexos poemas eróticos de sempre”. O tema está repleto de metáforas, trocadilhos, humor negro, duplos sentidos – nada é explícito, mas há por ali muito sexo e rock progressivo. O tema, com uns bons oito minutos, repete palavras e sons para criar um efeito de obsessão. Serge Gainsbourg vai sussurrando palavras atrás de palavras, em jeito de ritual erótico, quase hipnótico, para contruir uma peça musical estruturada em variações, cada uma com o seu significado.
Uma música não é só uma música. Um álbum não é apenas um álbum. Quando se trata de Serge Gainsbourg, não chega “parler français”, é preciso ir à descoberta, traduzir e procurar mais sobre o sentido daquelas canções. Agora deu-me para isto: decifrar álbuns e canções. Desculpem a maçada.