Opinião

Música | Sem nada para dizer mas algo para escutar

20 fev 2022 13:36

Com este disco, deambulamos sem receios de transpor fronteiras e sempre envoltos em melodias contagiantes

Aponto hoje as agulhas para a belíssima cidade portuária de Gdańsk (Polónia), onde acompanhamos, por exemplo, a narrativa d'O homem de ferro, um drama histórico de 1981, de Andrzej Wajda (Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes). Trago-vos hoje Maciej Sadowski, um contrabaixista já com uma vastíssima experiência quer de palco (contribuindo para uma média acima de cem concertos por ano, em territórios nacionais e internacionais; colaborando ainda com mais de cem diferentes formações em território europeu no espaço de uma década), quer em sessões de gravação em estúdio.

Tem um sólido e vasto percurso musical que nos permite aferir da sua imensa capacidade camaleónica, de se apresentar numa evidente transversalidade de estilos, não obstante ter uma predileção pelo jazz - tanto assim é que foi distinguido em 2016 como um dos melhores contrabaixistas da Polónia (com a subjetividade inerente destas coisas), pelos leitores da prestigiada revista de jazz - fundada em 1964 pelo baixista Jan A. Byrczek - Jazz Forum.

Além do mais, Sadowski soma a este trajeto imaculado a sua forte veia de composição (encontra-se, aliás, em plena fase de ebulição criativa no meio académico ao procurar compor peças nos mais variados géneros musicais, havendo terminado uma formação significativa na área da composição para imagem, liderada pelo “oscarizado” Jan A.P. Kaczmarek).

E, finalmente, é ainda o mentor da companhia discográfica independente de nome Eastrings Records.

I have absolutely nothing to say, so listen (2021) é o álbum de longa duração que hoje partilho convosco. Em pouco mais de 30 minutos, Sadowski aventura-se por territórios que se complementam, com elementos de improvisação e até do pop e do folk, diria que num sóbrio elogio à obra cinemática do seu compatriota e violoncelista Abel Korzeniowski (autor de bandas sonoras geniais como as de Um homem singular ou Animais Nocturnos), com traços da intensidade e elementos texturais da islandesa Hildur Guðnadóttir, lembrando-me por exemplo trechos da banda sonora de Joker.

Pela própria natureza do instrumento, a prevalência do contrabaixo neste trabalho induz alguma melancolia que é, no entanto, bem balançado por aspectos percussivos e com alguma ajuda de processamento de efeitos/eletrónica que consegue eficazmente subjugar este “peso” a um lado mais suave e delicado. Há um uso bem significativo de instrumentos de cordas, embora haja também uma insuspeita inclusão de sintetizadores, bateria, piano, guitarra elétrica e trompete, bem como uma voz do seu colaborador francês Lario Nowhere.

Com este disco, deambulamos assim no meu notório fascínio pelos territórios do clássico- -moderno/contemporâneo, sem receios de transpor fronteiras e sempre envoltos em melodias contagiantes.