Opinião

Música | Quando os Simpsons fazem estragos na terra de Robin Hood

19 nov 2020 15:32

Quase todos os anos me perco entre novos lançamentos e descobertas de novas formações do universo pop-rock e, nos últimos anos, talvez por defeito meu, tenho constatado uma diminuição de novos projectos estimulantes e surpreendentes com ADN de rock

O facto de a quantidade diminuir não quer dizer que a qualidade não aumente e, ainda que poucos me agarrem dias a fio, alguns foram autênticos ciclones e, ao vivo, foram do melhor a que assisti, como os Idles ou os Fontaines DC.

Essa energia de um concerto ao vivo de bom rock é também uma das maiores saudades que este atípico 2020 vai deixando, mas, nos últimos meses, em que tanto os Idles como os Fontaines DC lançaram novos discos, a minha última obsessão no pantanoso terreno do rock continua nas ilhas europeias do universo anglo-saxónico, mas muda de cidade e fixa-se na terra de Robin Hood.

Amigos de escola e inspirados no património rock e punk por um lado e na personagem de Old Gil por outro (uma das melhores e mais subvalorizadas figuras dos Simpsons) os Do Nothing cruzam a energia do rock e a ironia caricatural e subversiva do stand-up comedy criando canções que, se 2020 deixasse, tinham tudo para serem explosões ao vivo como New Life, Lebron James, Gangs ou Contrabands.

Old Gil é aquela personagem de empresário e marido falhado, convencido (e a tentar convencer os outros) de que está talhado para o sucesso.

Que acumula despedimentos e casos de insucesso, mas que abraça cada novo momento como se estivesse destinado ao sucesso.

“I didnt make a sale, but i was so close, i could feel it”, na verdade, Old Gil é um dos personagens mais parecidos com este ano de 2020 de toda a história da animação e, se é verdade que os Do Nothing já são banda desde 2017, apenas lançaram os primeiros temas em 2019 e o primeiro EP neste malfadado ano.

Espera-se o disco de originais que prometem não ser uma compilação do material anterior e, a julgar pelos recentemente lançados Adventures in Success e Glueland (tão diferentes e ao mesmo tempo viciantes), se o EP me surpreendeu, digam-me já onde é que posso encomendar o disco.

As letras irreverentes e provocadoras são ora cantadas ora narradas, fazendo lembrar tão depressa nomes que vão de Stephen Malkmus a Mark E. Smith e a sonoridade atravessa um caldeirão de influências que têm raízes na geração de ouro do rock indie de um e de outro lado do Atlântico dos anos 90.

Ora explodem, ora fazem dançar, ora entram no refrão, ora trocam as voltas, não sei se foram buscar o nome da banda ao tema dos Specials, mas estes Do Nothing são, realmente, especiais e têm-me deixado com a certeza de que nunca, nos últimos anos, senti tanta necessidade de voltar a ouvir mais rock.