Opinião

Música | Kraftwerk: bicicletas a pedais humanamente mecânicas

12 set 2025 08:30

Pioneiros e verdadeiros arquitetos do som eletrónico moderno, são conhecidos não apenas pela sua inovação musical, mas também pelo seu fascínio pelo ciclismo

Para além dos festivais de música, o verão é protagonizado por três eventos velocipédicos internacionais: o Giro d’Italia, o Tour de France e a Vuelta a España ainda a decorrer. Estas corridas, que se estendem por várias semanas em paisagens deslumbrantes dos Alpes aos Pirenéus, são verdadeiros espetáculos de resistência, estratégia e paixão desportiva, atraindo milhões de espectadores em todo o mundo. O ritmo cadenciado das pedaladas, o esforço coletivo das equipas e os momentos de glória individual transformam cada etapa numa narrativa épica, escrita ao longo de milhares de quilómetros.

Curiosamente, esta paixão pelo ciclismo encontra um eco inesperado no universo da música eletrónica. Os alemães Kraftwerk, pioneiros e verdadeiros arquitetos do som eletrónico moderno, são conhecidos não apenas pela sua inovação musical, mas também pelo seu fascínio pelo ciclismo. A banda já incorporou múltiplas vezes a bicicleta como símbolo central da sua estética e performance. Os Kraftwerk têm, de facto, uma ligação simbólica e artística profunda ao ciclismo. Em 2003, lançaram o álbum Tour de France Soundtracks, uma recriação e expansão da sua canção de 1983, "Tour de France", inspirada diretamente na prova ciclística. Durante a digressão deste álbum, a banda apresentou-se em vários palcos com membros sentados em bicicletas estáticas (alguns deles eram atletas olímpicos) onde pedalaram em sincronia enquanto os sons eletrónicos evocavam o ritmo, uma homenagem original à prova francesa e considerada a prova rainha do ciclismo.

Para os Kraftwerk, o ciclismo é mais do que um desporto — é uma metáfora para o movimento, a precisão mecânica e a harmonia entre homem e máquina, conceitos centrais na sua visão artística. Assim, enquanto o verão aquece nas estradas europeias com os ciclistas a disputarem a glória, os ecos do click-clack dos pedais misturam-se com batidas eletrónicas, fundindo dois mundos aparentemente distintos numa celebração comum do ritmo, da velocidade e da superação. Mas nem sempre foi um assunto pacífico, mesmo dentro do seio da banda: os ex-membros Wolfgang Flür e Karl Bartos culparam a diminuição da produção do grupo na década de 1980 com a alegada obsessão de Ralf Hütter pelo ciclismo. Também Fernandes Abrantes, um produtor português que tocou com a banda ao vivo em 1991, confessou numa entrevista que enquanto lá esteve nunca acompanhou os outros três elementos nas suas voltas de 200 quilómetros ao fim de semana. Mas para Ralf Hütte, a obsessão tem uma razão de ser. Para o músico o humano é o motor da bicicleta. A máquina não pode funcionar sem o humano. A bicicleta e o ciclista são o "Homem-Máquina" original e para ele isso é uma filosofia de vida.