Opinião

Música | Algo de podre se passa também no reino musical

3 abr 2024 14:23

O episódio de se estar quase a gabar por ter mexido com os sentimentos de alguém, mas “pelo menos posso escrever sobre isso”, ao que o amigo e companheiro de banda basicamente lhe disse para parar com aquela atitude pois era feia e ele não era essa pessoa

Fez dez anos certinhos a três de março de 2024, mas por imperativos de agenda mediática, o último artigo teve de ser sobre Democracia, e, como se viu, nunca precisámos tanto dela como agora. É essa a alma dos Future Islands e do seu vocalista.

A vida da banda mudou por completo e teve o seu momento viral quando foi ao então muito popular programa de televisão de David Letterman interpretar o seu single “Seasons”. Vale mesmo a pena procurar “Future Islands Performs “Seasons (Waiting On You)” | Letterman” no YouTube para conhecer ou relembrar.

A prestação do vocalista Samuel T. Herring foi inesperada. Um abanar de anca inesquecível numa canção interpretada com paixão, raiva, amor, desilusão ou revolta. No final, David Letterman estava genuinamente surpreendido, mas contente. Experiente, soube que estava perante um daqueles momentos de viragem que mudam uma vida e moldam uma carreira.

E é aí que entra a saúde mental, um histórico de adições e muita disciplina para controlar o vício. Num podcastBroken Record – Herring aborda algumas questões relacionadas com a fama, ansiedades, e a vida a acontecer.

O artista fala da sua história de dependência, a preocupação em não lá voltar, a pandemia que o separou da sua companheira sueca e quando conseguiu voar para lá constatar que já nada sobrava de algo que ele queria que funcionasse. Os fantasmas do descarrilamento emocional dão logo sinal de alerta.

Herring conta que os infortúnios podem dar boas canções, mas é uma treta pois ninguém merece sofrer ou fazer sofrer os outros. Num gesto de contrição, desvenda mesmo o episódio de se estar quase a gabar por ter mexido com os sentimentos de alguém, mas “pelo menos posso escrever sobre isso”, ao que o amigo e companheiro de banda basicamente lhe disse para parar com aquela atitude pois era feia e ele não era essa pessoa.

Há um livro intitulado Touring and Mental Health. The Music Industry Manual que aborda o que o título precisamente indica. Há dados, não só de intérpretes, mas também – e finalmente – em relação às equipas técnicas que os acompanham. É dito que é um setor onde problemas de saúde mental são elevados e muito desproporcionais em relação ao público em geral. David Lawrence, antigo tour manager de bandas como Massive Attack, ou New Order, dá um exemplo: “Quando chegas, podes dar-te conta que os teus amigos seguiram com a vida deles e estão num patamar onde tu não estás. Nem lá perto”, conta referindo-se aos longos períodos de ausência.

Nem tudo é mágico na indústria musical e há preços demasiado altos. Quando o público exige o regresso de determinada banda, deveria ter em conta que outros valores se levantam como manterem-se vivos, sãos e sobretudo felizes.