Opinião

Literatura | Gramática da Fantasia - Cultivar a gentileza

24 out 2020 20:00

Nas últimas semanas com o retomar das rotinas diárias, do trabalho e das escolas, também eu regressei em boa hora às atividades de mediação de leitura e conversas sobre arte e cidadania nas escolas de 1.º ciclo e jardins de infância

Não levo uma atividade muito pensada, ou estruturada, mas como indutores de conversa tenho levado livros, muitos livros, de todas as temáticas, estilos literários ou ilustrações.

A pandemia condicionou em muito aquilo em que enquanto pessoa e mediadora cultural acredito e defendo que deva ser a escola: um local de partilha, afetos, aprendizagem consigo e com o outro, um laboratório de experimentação e espaço de diálogo, entre muitas outras valências que existem na escola e contribuem para a formação integral dos indivíduos, que por ela passam, tudo isto em uníssono com a família e com a comunidade.

Estou certa que no mesmo creem muitos colegas professores a braços hoje com a tarefa hercúlea de voltar a dar aulas em salas “autocarro”, de minimizar o contacto físico, ou de estar todo o dia atrás de uma máscara.

E se o fazem com serenidade…mesmo que saibamos que lá dentro fervilham as emoções.

Curioso em como já dei a volta a quase todas as turmas do AE onde trabalho, e não encontrei um único professor sem a perseverança necessária para dirigir a sua tripulação. É o possível por agora e por isso vamos tentar minimizar os riscos e enfrentar as condicionantes, sem alarmismos.

Fazemos todos o melhor que sabemos e que podemos para não deixar o barco à deriva.

Parece-me ser de louvar publicamente o empenho, força de vontade e a dedicação de muitos profissionais das escolas, constantemente criticados e postos à prova pela opinião pública, que principalmente nas redes sociais gosta de apontar dedos, desvalorizando tantas vezes o papel da escola e do professor, generalizando o que não poderá ser nunca generalizável, atribuindo culpas e procurando problemas ao invés de soluções.

Não obstante, a minha reflexão de hoje não versa apenas sobre este assunto.

Hoje penso nos efeitos perversos do confinamento, do desconfinamento e nas marcas que esta situação nos vai deixar a breve trecho.

Numa conversa simples com a maioria dos alunos despoletada por livros e numa atitude de abertura total, encontro múltiplos centros de interesse, que vão desde as artes, ao ambiente, à tecnologia, ou aos direitos humanos e isso é bom.

Mas encontro também uma enorme dificuldade de interpretar o que se diz, o que se lê, um leque de vocabulário diminuto e uma gritante incapacidade de parar para ouvir, para observar, uma inquestionável dificuldade em expressar opiniões, ou pensar fora da caixa, ou por estranho que pareça pensar antes de responder algo inusitado e desenquadrado do contexto…e encontro também  sobremaneira uma inquestionável falta de solidariedade e empatia…

Não importa apurar culpados ou apontar dedos…importará a todos nós, adultos, incentivar nos mais novos o pensamento, a reflexão, por muito que isso nos consuma tempo ou investimento. E mais do que isso estou certa interessará incentivar o olhar para si e para o outro e mais do que nunca fomentar a gentileza e a hospitalidade.

Texto escrito segundo o Acordo Ortográfico de 1990