Opinião

Letras | Richard Zimler (2022), A Aldeia das Almas Desaparecidas. A Floresta do Avesso. Parte I OU a diáspora da perseguição da beleza… (conclusão)

11 dez 2022 15:07

O primeiro círculo de questionamento será o familiar, com a perda da figura maternal e o afastamento progressivo do pai, depois dos irmãos

(Conclusão do artigo anterior, disponível aqui)

Os círculos de aprendizagem desenhados neste romance são delicados e variados, eloquentemente narrados por um sujeito que se pode dividir em vários: a criança maravilhada e ignorante que foi; o adolescente inquieto e curioso em que se transformou; o quase adulto atento e subjugado pelas circunstâncias terríveis do seu presente; o sujeito-artesão-artista-curador que procura uma forma de se salvar e (re)encontrar o amor.

O primeiro círculo de questionamento será o familiar, com a perda da figura maternal e o afastamento progressivo do pai, depois dos irmãos; o segundo será o da amizade e o do social, com as famílias da aldeia a dividirem-se em ‘amigas’ (cristãs-novas) e ‘inimigas’(cristãs-velhas) a partir do momento em que os desaparecimentos de alguns começam a ser relacionados com a perseguição religiosa.

O capítulo 28 é fulcral para se perceber a lógica invertida do aqui e agora narrado:

“– Porque é que os padres não pregam do lado do Senhor? – quis eu saber.

– Porque vivem dentro de uma ilusão. Eu imagino-a como uma Floresta densa. O sol nunca lhes chega. Estão numa escuridão permanente, pelo que os amigos se transfiguram em inimigos. E a lealdade em traição. O que é mesmo desencorajante é que se habituam de tal maneira a isso, que se sentem gratos por poderem continuar onde estão.

– Essa floresta onde eles vivem vira as coisas do avesso? – perguntei.

– Não, ela própria é que está do avesso! […]” (p. 195)

Outros círculos serão determinantes, por vezes quase secretos ou clandestinos, como o das ‘estranhezas’ (Navalha, o barbeiro mudo; Sálvia, a bebé anã; o mundo complexo da iniciação à sexualidade; a comunidade de sodomitas portuenses; o sabat; as experiências teatrais e musicais; a aprendizagem de outras línguas; a arte e a leitura; o Antigo Testamento…) a que os rituais e as sonoridades hebraicas estão sempre interligados, e abrem novas portas.

Mas é a avó Flor quem guia todas as descobertas e o sinal delas é a beleza: “[…] aquilo que considerarmos belo está a tentar dizer-nos aonde precisamos de ir. E, se não formos capazes de entender essas indicações, podemos extraviar-nos de tal maneira que jamais conseguiremos achar o caminho de volta para nós próprios.” (p. 32).

Será o trajeto da parte II? O leitor espera pelo sinal…