Opinião

Letras | O Livro das Trevas, Lídia Jorge

1 nov 2021 12:55

Os símbolos e a transcendência do ser contemplam-se com os olhares quase inocentes duma autora carregada de conhecimento e de vida

Este é o primeiro livro de poesia de Lídia Jorge após se ter estreado em 1980 com a publicação de O Dia dos Prodígios, obra emblemática do pós-revolução. Nestes últimos 40 anos tem publicado vários títulos, romance, conto, ensaio e teatro. Vencedora de prémios a nível nacional, Prémio Vergílio Ferreira em 2015, também já foi agraciada no mesmo ano com o grande Prémio Luso-Espanhol de Cultura.

Nesta primeira abordagem ao mundo da poesia, os símbolos e a transcendência do ser contemplam-se com os olhares quase inocentes duma autora carregada de conhecimento e de vida. Uma justaposição que resulta bem e que se divide em cinco partes.

Com a Origem; Com os Preceitos; Com os Factos; Com as Fábulas; Com o Tempo.

Pressente-se a fé induzida e a fé perdida para a razão, que dão explicação desde o início dos tempos na perspectiva de LJ.

No primeiro capítulo a odisseia da ciência como hino de poesia; onde se pode ser barro e um meteoro para bem da humanidade. Onde Deus poderá ter tido mão mas não tanto como a arte ou o amor à natureza (das coisas).

“A luz brilhante pode proclamar – Não valeu de nada a tua vida. Isso e muito mais. Mas não poderá dizer – Tu não aconteceste. Aconteci, e essa é a minha honra desmedida.”

Cresce a humanidade a caminho duma maioridade que é vista por uma mãe, antes filha, crescida com guerras e a conhecer o fogo. Um crescimento do Homem filho da besta em conluio com o anjo.

“O anjo passou voando e copulou com a besta do chão. O anjo não reconheceu o filho da besta que ficou a gatinhar pela terra. A besta não reconheceu o filho do anjo que saltou para as árvores e começou a desejar a lua […] Eu exemplar dessa espécie […] pedindo ao tempo da primeira cópula, que tudo vê e tudo sabe que desmanche este destino.”

Com os Factos, a adultez do mundo, da guerra e do crescimento guardando alguma inocência nos corações que têm a espada por perto.

“Quem vem lá?” Como que preparados para as batalhas (Verdum, Lepanto ou Termópilas) e quem sabe esperando os feridos. “Não temos remédio que os cure, na farmácia da nossa tenda erguida à beira de uma estrada a meio da Terra.”

Com as Fábulas, a poesia vem libertar das dores de crescimento de todos de nós e da autora. Criar equilíbrios por via da Arte, ter esperança.

“Entrego estas fábulas intactas aos filhos dos filhos [...] façam delas alguma coisa útil.”

E Com o Tempo vem o futuro. Maternidade de dar mundos ao mundo, e aos filhos da mãe que da realidade e de Jerusalém têm corpo e fé para tentar sobreviver nesta “quase esfera”.

“Antes que seja tarde, vira costas ao enigma [...] por falta da íntima verdade, a inviolável, que não arde.”