Opinião
Letras | Joias em Paris e artistas em Nova Iorque
Pelas ruas da cidade que não dorme, uma viagem íntima que nos leva a fazer check in no célebre Hotel Chelsea
Não se sabe se foram Neandertais ou Homo sapiens os artesãos daquelas que são consideradas as “primeiras joias do Ocidente”, com mais de mais de 42 mil anos, identificadas em Saint-Césaire, no Sudoeste de França. Das escavações decorridas entre 2018 e 2020, os paleoantropólogos encontraram várias conchas perfuradas e fragmentos de pigmentos vermelhos e amarelos, possivelmente utilizados para colorir. Conchas de um mar próximo, onde as comunidades antigas reconheceram beleza e se ornamentaram de sentido estético e espiritual.
Em outubro de 2025, também em França, oito valiosas peças de joalharia da coleção de Napoleão III, no Museu do Louvre, foram assaltadas, especulando-se, ainda, se seriam destinadas a um colecionador ou se seguiram para venda separada.
Há uma sedução inexplicável no belo, esteja ele na mais rara pedra preciosa, no mais luminoso ouro ou no melhor dos pechisbeques. As joias compõem o figurino; têm algo a expressar. Orelhas, narizes, umbigos sacrificam-se em orifícios para receber o aplique estético, erótico ou tribal. Anéis no dedo certo selam um compromisso.
O colar de origem persa que Robert Mapplethorpe ofereceu a Patti Smith não era particularmente valioso. A peça, feita de placas de metal esmaltado, celebra o começo de uma história verídica protagonizada por dois artistas que perseguem sonhos. São Apenas Miúdos (Just Kids) na Nova Iorque das décadas de 60 e 70 do século XX. Patti Smith é quem nos conduz nesta narrativa autobiográfica, através das memórias bem vívidas, pelas ruas da cidade que não dorme. Uma viagem íntima que nos leva a fazer check in no célebre Hotel Chelsea, outrora casa de grandes nomes como Mark Twain, Arthur Miller, Bob Dylan ou Janis Joplin.
Os dois artistas, em laboratório experimental permanente, mergulham nas artes plásticas, na poesia e na música. Passam dificuldades e nem sempre são reconhecidos, mas apoiam-se permanentemente um ao outro. Robert aprofunda a arte da fotografia, tentando encontrar o seu lugar e entender, em simultâneo, a sua sexualidade. Patti, que nos oferece tantas referências literárias e nos revela as suas inspirações, torna-se numa poetisa do punk rock, chegando ao estrelato.
A morte de Robert é anunciada no início do livro, mas Patti deixa-a para as últimas páginas. Robert morreria no final da década de 80, numa altura em que ambos os artistas estavam distanciados e em que a SIDA se alastrava. “Fizeste-me ganhar o dia, Patti” – disse o fotógrafo à cantora quando esta lhe telefonou, sabendo-o doente. Patti faz-nos ganhar cada minuto na leitura de um livro tão generoso e sincero, que abre a porta à vida, ao amor e à amizade de duas estrelas das artes.