Opinião
Letras | Casa-Museu Afonso Lopes Vieira (verão 2025) OU mudam-se os tempos…
Passaram-se duas décadas sem que o projeto museológico se encontre completo
Desde 2005 até hoje, com a recuperação da Casa de S. Pedro de Moel – batizada Casa-Museu Afonso Lopes Vieira (CMALV) – e a sua abertura ao público durante a época balnear, passaram-se duas décadas sem que o projeto museológico se encontre completo.
Oferecida pelo pai do Poeta em 1902, aquando do seu casamento com Helena de Aboim, por vontade expressa do casal foi doada à edilidade da Marinha Grande (CMMG), e em 1949 começou a funcionar a Colónia Balnear e a visita esporádica da Casa por quem se revelasse interessado. Atravessando várias vicissitudes, em função dos tempos mais ou menos conturbados do contexto político-social português, o primeiro estudo de investigação sobre as cerâmicas de revestimento da Casa fez-se em 2010, de que resultou um Roteiro Museológico – Casa-Museu Afonso Lopes Vieira. Lugar Literário – com edição da CMMG e cofinanciamento da candidatura a programas de valorização ambiental e turística do litoral (QREN, mais Centro e União Europeia). Em 2013, da colaboração entre a Universidade Politécnica de Leiria (então IPL) e a CMMG, resultou o estudo do Inventário do Espólio da CMALV, intitulado Lugar Literário e honrosamente publicado com a generosidade de quatro dos descendentes do Poeta. Com esta investigação, reuniram-se as condições científicas necessárias para que a CMALV possa ser candidata a fazer parte da rede de museus nacionais. Tal passo só poderá ser dado pela CMMG e suponho que constitui um dos objetivos do programa da edilidade (presente e das futuras…), em conjunto com o Museu do Vidro e Museu Joaquim Correia. Mudam-se os tempos… e as vontades adaptam-se às novas apetências culturais… Tudo tem o seu tempo (demorado) e o seu (lento) andamento…
A visita do espaço da CMALV tornou-se, assim, uma oferta cultural da época balnear da CMMG a toda a comunidade local e turística, que a praia de S. Pedro de Moel acolhe de verão. Já fiz relato sobre as diversas atividades ligadas à CMALV, sempre reclamando do limitado usufruto que este ‘ninho de artistas’ acaba por ter: poucas ou nenhumas exposições na sala de exposições temporárias; nenhum apoio de guia audiovisual sobre o recheio; ausência de folheto/catálogo museológico; escassa transformação do ‘bem cultural’ em ‘capital cultural’… Há que notar – desde há cerca de 9 anos – a realização das visitas com sessões de ‘teatro imersivo’, com as personagens de Afonso Lopes Vieira e Amélia Rey Colaço, que este ano foram alargadas a Adriano Sousa Lopes, pintor amigo do Poeta e também ele visita da Casa. Estas sessões acabam por canalizar o entendimento e interpretação da casa como uma entidade viva, enquanto vão guiando o público por algum do acervo museológico, relacionando-o com a história vivencial de que fizeram parte e do espírito da Casa. Convidado a participar em momentos-chave do guião concebido, o público sente-se habitante do lugar literário, comungando do ambiente atemporal evocado pelos atores. Este ano foi acrescentado o “I Festival Poético de São Pedro de Moel”, com várias sessões de teatro imersivo sobre Afonso Lopes Vieira, momentos literários dramatizados pelo grupo “Amigos das Letras de Alcobaça”, tertúlias poéticas, a partir de livros de poesia de autores portugueses e leituras de poesia com intervenções do público e da A.C.R. Comeira, inauguração de exposição na Sala de Exposições Temporárias (que cruza a poesia com o desenho), bem como alguns espetáculos de teatro. De destacar o quase desconhecido “Autozinho da Barca do Inferno & os Animaes Nossos Amigos” – dramatização que a DGArtes apoiou logo em 2020 pela Break a Leg A. Cultural (e que a A.C. Folhas Platónicas representa na Praça ALV em S. Pedro de Moel) – teatro com muppets e música ao vivo, com textos originais de ALV destinados à infância. É caso para dizer que o novo resulta sempre do que já se esqueceu, mas é a intervenção do presente, ao cruzar a peça inédita do Poeta com alguns dos seus poemas para a infância (publicados e conhecidos) e musicá-los de acordo com gostos e melodias atuais, reconhecíveis pelo público infantil (e adulto), que nasce o instante artístico. Sem esquecer a delícia artesanal dos fantoches gigantes, magistralmente manipulados pelos atores. A imaginação da infância ganha espaço para florescer e sonhar com uma ética do bem e da bondade.
Direi que tudo isto (e já constitui um ‘corpo coeso’) ainda é pouco, e a divulgação não toca os ‘distraídos’… Porém, vinte anos não passam dos primeiros passos na caminhada cultural para a maioridade inclusiva oferecida e participada pela comunidade. Talvez o 1º momento de “Boogie & Brunch” (a 10 de agosto 2025, 11-15h) se venha a revelar uma das estratégias dos sentidos para (re)descobrir a CMALV, concha natural no litoral do camoniano “Onde a terra se acaba e o mar começa…” Que prevaleça a fome da poesia lida com os ouvidos e da Casa de S. Pedro vista com os olhos da alma portuguesa e do/para o mundo.