Opinião

Letras | Álvaro Laborinho Lúcio & Odete Severino Soares (2025) Marília ou a justiça das crianças OU ouvir a voz das crianças…

12 set 2025 08:55

Uma luz de esperança no complexo meio familiar dos nossos dias

A. Laborinho Lúcio (Nazaré, 1941) é uma figura ilustre da vida socio-política-cultural portuguesa e dispensa apresentações: jurista (juiz jubilado do Supremo Tribunal de Justiça), professor universitário, ex-ministro da Justiça (1990-95), ex-ministro da República para os Açores (2003-06), escritor português, baluarte de associações ligadas aos ‘Direitos das Crianças’ (presidiu à Assembleia-Geral da Associação Portuguesa para o Direito dos Menores e da Família e à Mesa do Congresso da Associação dos Juristas de Língua Portuguesa, bem como Membro do Conselho Geral da Fundação do GIL; concebeu e coordenou o Congresso da Cidadania, realizado nos Açores). Compreende-se assim a sua parceria com Odete Severino Soares, doutoranda e mestre em Direito na NOVA School of Law da Universidade Nova de Lisboa, investigadora e especialista em Direitos da Criança, com diversas publicações e traduções sobre o tema, presença independente e pública em espaços de opinião sobre ‘Direitos das Crianças’. O livro Marília ou a justiça das crianças, editado em março de 2025, é a concretização desse desafio conjunto, a que as ilustrações de Catarina Sobral (Coimbra, 1985) vêm trazer uma agradável lufada interpretativa de ar fresco, direcionada ao público-alvo.

Dedicado a todas as crianças, a Armando Leandro e Joana Marques Vidal (duas das referências, homenagens a autoridades e amigos fundamentais na área) e com epígrafes elucidativas e iluminadoras de A. Saint-Exupéry e Albert Camus, o livro tem um Prólogo explicativo sobre o conteúdo – o direito que a criança tem como sujeito – três partes (O Caso; O Direito; Glossário e Contactos Importantes), Bibliografia e resenhas biográficas sobre os autores e ilustradora. Na verdade, se a lei nos diz que “a partir dos 12 anos a criança tem o direito de ser ouvida em tribunal quando os assuntos em causa lhe dizem respeito, nomeadamente quanto à sua vida após a separação ou o divórcio dos pais” (opus cit., p. 15), a 2.ª parte do livro faz uma divulgação rigorosa e clara, dirigindo-se adequadamente a um público (em transição da idade infantil para a) juvenil, de quais são “Os Direitos da Criança” e “O que são as responsabilidades parentais”, a que se junta uma 3.ª parte com a dilucidação dos termos mais importantes, no “Glossário”, e os endereços dos “Contactos Importantes” para concretização dos direitos: a voz da criança ser ouvida, sempre que surgir e for sentida essa necessidade pelo sujeito.

Chego agora à 1.ª parte, que mostra ao leitor “O processo de Marília”, numa narrativa ficcional do caso da jovem Marília (com 10 anos), a atravessar os dolorosos efeitos da separação dos seus pais, com a ajuda dos amigos Abílio (vizinho, sofredor-experiente do anterior divórcio dos pais) e Regina (colega de escola), o Juiz Armando e a Procuradora Joana. Com notável sentido estético, e uma estrutura perfeita de simetria (não circular; antes curva elíptica, porque aberta), a narrativa inicia-se com a frase-chave – “- Amar é dar aquilo que nos faz falta.” (p. 21) – resposta de Marília à questão do dia da professora e fecha (/abre?) com a devolução da pergunta aos leitores – “- O que é amar?” (p. 39) – num alargamento do campo da receção do pequeno conto, abrindo janelas para a reflexão do que é uma criança/sujeito e da caminhada (nem sempre fácil…) até conseguir fazer ouvir a sua voz em tribunal, depois da separação dos pais.

Marília ou a justiça das crianças é uma luz de esperança no complexo meio familiar dos nossos dias e faz uma divulgação escorreita e rigorosa dos meios (instrumentos e organizações, instituições jurídicas) a que é possível recorrer para que a voz do sujeito-criança não seja nunca abafada ou sonegada. Não se trata de juízos de valor da ‘turba social’; antes da reflexão sobre a justiça das crianças (subtítulo). Aí onde as figuras do Juiz e do Procurador são o fiel da balança para alcançar a harmonia de ouvir a voz das crianças e restabelecer os seus direitos: uma das formas de amar?...