Opinião

Leiria, Planeamento de Excelência?

6 dez 2017 00:00

Não é possível isolar a cidade do seu hinterland, do seu “aro” (expressão que designa o território não prevalentemente construído em redor da cidade). Quando falamos de cidade referimo-nos a tudo em volta e à sua relação em rede com outras cidades.

A dicotomia cidade/campo há muito que se alterou nos seus termos e relação. Há que atender a nova realidade económica e social, onde o espaço/tempo se caracteriza pela continuidade e simultaneidade quanto a população, usos, funções de relação.

A população passou a fazer um uso económico, social e cultural do território muito distinto do que já foi; a paisagem está marcada por acções egoístas e voluntariosas que diminuem a sua capacidade de suporte; sem que se tenha criado um novo e consciente, participado e aceite, modelo de intervenção para uma nova paisagem.

Existe um formato de plano, o mais próximo e actuante no solo, o PDM, que define o uso e forma do território. Quero acreditar que as transformações na forma do território, efectuadas nos últimos 34 anos, foram conduzidas de acordo com o PDM.

Perante os resultados, que são manifestamente medíocres e insustentáveis, poderei concluir que, ainda que com respeito pelo PDM, tal formato de instrumento-lei é de má qualidade e deve ser revogado. Devem ser preparados outros e inovadores instrumentos legais, tendo por objectivo uma gestão e transformação do território que responda aos nossos objectivos sociais no médio e longo prazo.

ALGUMAS DIFICULDADES

Teríamos uma paisagem que se respeitaria a si mesma, equilibrada e sã, teríamos nós próprios uma boa relação connosco e com o ambiente, caso conhecêssemos e actuássemos no território como a medicina e nós fazemos com o nosso corpo.

Cidade e território foram convertidos em mera mercadoria, para exploração e construção, sem que exista a compreensão de que o suporte solo, irreproduzível, é determinante para a nossa existência e desenvolvimento como espécie.

Temos intervenções avulsas no território, por administração e privados, por somatórias de acções, tendo por base a circunstância da posse do prédio (rústico ou urbano), sem um concertado plano geral de desempenho; e tudo isto sem que os PDMs sejam “feridos”.

Os PDMs, de facto, não definem nem propõem usos e formas que garantam um território coerente dos pontos de vista ambiental, económico e social. São meros instrumentos para construir, ignorando flora, fauna e o modo e forma de inter-relação dos usos e dos sistemas e estruturas construídas que compõem toda a paisagem humanizada.

RESULTADOS CONCRETOS

Dispersão das construções, com desperdício, sem uma matriz, até mesmo cultural, para modelar o território. Dispersão das várias redes de infra-estruturas, sem qualquer atenção à sua extensão e densidade de serviço, custo de construção e de manutenção; custos sempre mais elevados no próximo futuro, para privados e autarquias (suportadas pelos cidadãos), num quadro de endividamento e falências. Falta uma “economia do território”. Total desprezo por flora e fauna, pelos usos agrícola, florestal e pecuário; estes, os mais evidentes.

PLANEAMENTO E VONTADE POLITICA

Mais do que a falta, porque em Portugal até existe um extenso acervo de planos anteriores a 1974, é a falha dos instrumentos de planeamento que está em causa e nos seguintes aspectos:

- a deficiente estrutura, conteúdos e modos para operacionalizar os vários níveis e formatos de planos,

- a sua rigidez como instrumento para o conhecimento contínuo, que impossibilita quer conhecer a realidade, sempre em mutação, quer nela intervir online (em tempo real).

- a falta de uma “cultura do território” nas entidades e nos cidadãos como entre os executivos autárquicos, responsáveis políticos que só o serão verdadeiramente se tiverem conhecimento e opções assentes em correctas opções técnicas.

Ora, “não há boa política sem boa técnica, nem boa técnica sem boa política”. Este racional princípio é negado no nosso território.

O PLANEAMENTO

A matriz geral dos PDMs não garante resultados nem funcionais, nem formais nem espaciais que se coadunem com o interesse social nem com o correcto aproveitamento e regeneração do recurso único que é o solo (território); provoca a deformação do território (formas impróprias).

Falta capacidade de proposta e posição crítica, por parte da autarquia, quanto às opções de planeamento elaboradas/impostas pelos níveis superiores da administração. É deficiente e pouco comprometido o relacionamento regional intermunicipal; é muito restrito, não permitindo uma visão mais consistente dos atributos específicos e das complementaridades entre os adjacentes territórios municipais, para que disso se retirem vantagens. Há descontinuidade territorial nas temáticas e opções dos municípios confinantes.

A VONTADE POLÍTICA

A participação pública e dos cidadãos nos conteúdos dos instrumentos de planeamento é meramente formal, com plano (PDM) já elaborado, quando da fase final de “inquérito público”.

Numa versão de inquérito onde autarquia menoriza e isola cidadãos e entidades possibilitando apenas uma relação “pessoal”, circunscrita, sem controvérsia. Não há vontade de debate público e muito menos, e previamente, a participação de entidades e cidadãos quando da definição de opções e de propostas.

Os planos nascem pobres de contributos e de raciocínio. Trata-se de um exercício de magríssima participação democrática, para um contributo que, afinal, se pretende e demonstra irrelevante nos seus resultados e consequências.

PARA UM PLANEAMENTO DE EXCELÊNCIA

É possível responder e superar este estado de coisas? Soluções haverá sempre, mas assentarão em patamares sempre menos ambiciosos, mais limitados e condicionadores, com acréscimos de custos, sobretudo ambientais e sociais. As consequências das intervenções no território revelam-se como irreversíveis durante muitas gerações, em muitos casos perduram por milénios.

As soluções alternativas para o território não podem prescindir de abordar quer o regime e cadastro da propriedade – ainda inexistente em Leiria! Isto é: não se dispõe do “retrato” da estrutura e dos usos no “terreno”, ignorando-se os sistemas funcionais presentes no território! – quer a participação directa e activa de entidades públicas e privadas, quer a participação dos cidadãos; necessário será, enquadrar o nosso projecto de sociedade no território que possuímos e de acordo com ele.

ALGUNS TEMAS PRELIMINARES

A questão da propriedade, a articulação de entidades públicas e privadas num quadro de efectiva e colectiva governança, e, a montante de tudo isto, porque falta uma “Cultura do território”, em grande parte inexistente mesmo entre os decisores políticos e administrativos, é necessária uma consistente pedagogia e um processo de ensino e formação em “cultura do território”, desde a escola. Para que não ignoremos a importância do nosso suporte físico - o território - e saibamos fazer escolhas que o valorizem e nos valorizem na nossa relação com ele.

*Arquitecto