Opinião

Impacto da pandemia na saúde mental

13 nov 2020 10:00

Foi a um ritmo alucinante que a pandemia se alastrou a nível mundial, e com ela surgiram medos, preocupações e toda uma série de complicações ao nível da saúde mental

Os níveis de ansiedade aumentados têm sido o principal impacto a nível psicológico, mas à medida que foram e vão sendo tomadas medidas, a depressão, o uso de substâncias (álcool e drogas) e comportamentos mais agressivos ou suicídio, também tendem a aumentar, sobretudo naquelas camadas onde já existiam consumos ou predisposição para a doença.

Em termos relacionais há pessoas que ao verem os níveis de irritabilidade e impaciência aumentados acabam por comprometer o desenvolvimento saudável das suas relações, impossibilitando assim a sua resolução. Quebrando laços mais facilmente. Escolhendo o caminho mais fácil e sem retorno. O da desistência. O que faz jus ao comprometimento da saúde mental.

Têm sido muitos os casos que me chegam a consulta, muitas das vezes não verbalizados como “por causa da pandemia tenho-me sentido mais ansioso, deprimido….” mas quase sempre como “desde que fiquei em confinamento comecei a sentir mais tristeza, mais desmotivação…”

Exposto isto, entendemos que a alteração da rotina foi a principal causa de todo este comprometimento ao nível da saúde mental. Tudo o que é inesperado tem quase sempre consequências negativas. E isto foi tudo menos esperado!

Como resultado temos pessoas que viram o seu dia a dia completamente transformado, os convívios limitados e os afetos condicionados, e uma série de tarefas acrescidas que chegaram todas ao mesmo tempo (a tele-escola e o teletrabalho que foi e voltará a ser uma complexa gestão).

Estas limitações têm sido mais sentidas por quem procura respeitar as recomendações da DGS. Até à data só recordo uma situação em que a pessoa se recusou a fazer consulta com máscara, tendo como consequência a recusa do desenvolvimento da mesma. Felizmente não me posso queixar da conduta dos meus pacientes. Têm sido exímios.

Mas voltando ao impacto que todos nós vivenciamos há 8 meses, a pandemia afeta muito mais do que adultos e idosos, sendo a classe mais infantil tantas vezes esquecida ou desvalorizada nas suas queixas reveladas por alterações comportamentais. A grande diferença é mesmo essa. É que enquanto o adulto verbaliza toda estas questões e dificuldades, a criança cala. Desenha. Altera-se comportamentalmente. Irrita-se mais. Desafia mais. Isola-se.

Afinal de contas, além de toda uma nova adaptação, muitas crianças ainda tiveram e têm de lidar com o luto pela perda de familiares, pelos beijos e abraços que não deram e pelo próprio distanciamento exigido, sobretudo para com os seus avós. Mais tempo passado em casa com aumento de stress parental, gerando assim aumento dos níveis de tensão, conflitos e situações de violência.

A compreensão da mudança da rotina é algo extremamente exigente na vida de uma criança. E se a família é o primeiro microssistema, ou seja, onde se desenvolvem e criam os primeiros laços entre cuidadores e crianças, a escola é o segundo, e para muitas assume-se como uma importante rede de apoio.

Já falei um pouco de todas as faixas, contudo, não posso deixar de fazer referencia aos profissionais da linha da frente que continuam lá. Alguns, Outros já não. Os tais que estiveram e continuam expostos a situações diárias que acarretam uma pesada componente emocional. No final disto tudo, qual será o impacto? Para muitos já está a ser.

O cansaço extremo, a sobrecarga de horas (para fazer face aos colegas que deixaram de poder estar), o afastamento familiar (quando muitos tiveram de deixar as suas casas para proteger os demais) e o resto. As noticias dos rally’s; a onda gigante e humana na Nazaré; a festa do Avante; as cerimónias em Fátima (a que menos ouvi ser comentada), entre outras, são no mínimo, revoltantes.

O esforço de muitos face à desvalorização de outros. A vigorar a falta de respeito face a quem é exigida uma exposição diária sem escolha. Enquanto uns se esforçam para dar o melhor de si, outros caminham despreocupados e conseguem mostrar a pior versão deles próprios. O egoísmo a reinar. A tal doença que também continua a aumentar a níveis catastróficos.

De mãos dadas com a ganância que, entretanto, parece ter reanimado. E no trânsito? A condução dos automobilistas? Não podia deixar de fazer referencia a um dos meios mais canalizadores do momento.

As imagens do dia a dia falam por si. Acho que não as devo comentar ? Mas garantidamente que vamos ser pessoas mais extremistas. Do tudo ou nada. Na mesma medida em que fomos absolutamente cumpridores ou totalmente desrespeitadores. E isso vamos levar pela nossa vida futura. O resto, podemos levar ou não.

Gostaria de dizer que depois disto tudo, aprendemos a ser todos muito mais humanos, generosos e respeitadores, mas não me vou arriscar a fazê-lo. Não devo.

Dito isto resta-me dizer que perante todas estas situações é importante que as pessoas se permitam a ser ajudadas muito antes da sua chegada ao limite. Pedir ajuda não é um ato de vergonha, mas sim um verdadeiro ato de coragem.

E mais do que nunca devemos fazê-lo. Há silêncios incomodativos e nada reveladores que precisam de ser oportunamente exteriorizados por tudo aquilo que neles vive.

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990