Editorial

Famílias há muitas

20 out 2022 10:35

Nas casas de acolhimento de crianças e jovens, cruzam-se memórias de passados cruéis, recordações de momentos insanos, deixam-se escapar sentimentos confusos sobre as saudades da família que um dia os fez sofrer

Há uma família na história de vida de cada um de nós. Grande, pequena; unida ou afastada; afectuosa ou hostil; desafogada ou endividada; divertida ou soturna; informada ou alienada; tem sempre diferentes características, mas é onde nascemos e aprendemos a lidar com o mundo.

Esta semana, damos a conhecer um outro tipo de família, que não é genética, que resulta por norma de uma imposição legal, exige modelos adequados e personalizados de socialização e funciona em modo de comunidade (bastante) numerosa, onde raramente há irmãos. São verdadeiras histórias de superação. Quer dos que por ali crescem, quer dos que, dia após dia, mês após mês, ano após ano, não desistem de os ajudar a crescer.

Nas casas de acolhimento de crianças e jovens, cruzam-se memórias de passados cruéis, recordações de momentos insanos, deixam-se escapar sentimentos confusos sobre as saudades da família que um dia os fez sofrer, exorcizam-se os resquícios da revolta, encarna-se a vontade de viver, de aprender, de ultrapassar barreiras e de vencer.

Alguns dos jovens, lamentam as técnicas, chegam demasiado tarde, com traços de personalidade já vincados e nem sempre assentes numa lógica de boas intenções. Acabam, por vezes, por sua conta e risco, sujeitos a novas formas de violência, de marginalização, de exclusão social.

Outros, felizmente em maior número, conseguem reparar os traumas de um início de caminhada de vida disfuncional, assumir um projecto de futuro delineado pela ‘família de acolhimento’ e alcançar o seu espaço a nível cultural, académico e profissional, mesmo enfrentando o rótulo de serem “a menina” ou “o menino do lar”.

É sobretudo sobre estes que incide o trabalho de abertura desta edição. É através dos seus testemunhos que se confirma e realça a importância do trabalho desenvolvido pelos profissionais dos centros de acolhimento, desde o topo da hierarquia até à base.

“Estou muito orgulhosa do meu percurso. Foi como se o futuro tivesse algo de melhor para mim”, confessou-nos uma jovem, ex-utente do Lar de Santa Isabel, em Leiria, genuinamente reconhecida pelo esforço de quem nunca desistiu de si.

Uma manifestação de gratidão, no seu estado mais puro, e uma prova de que vale a pena apoiar e acreditar no trabalho destas instituições.