Opinião

Doenças filhas e doenças enteadas

3 jan 2019 00:00

Para muita gente, quem se diz deprimido é um preguiçoso que não quer trabalhar, enquanto os que apresentam quadros clínicos mais gravosos são, pejorativamente, enquadrados na categoria de malucos.

Como assumia o director do Serviço de Psiquiatria do Centro Hospitalar de Leiria (CHL), Cláudio Laureano, em entrevista a este jornal há tempos atrás, “a psiquiatria ainda está um bocadinho na pré-história. Daqui a 50 anos quem estiver cá vai olhar para trás e vai achar que nós sabemos muito pouco ou quase nada. O cérebro ainda é um grande desconhecido(...)”.

Talvez devido a esse desconhecimento, as doenças do foro psiquiátrico raramente foram bem entendidas ao longo da história, mantendo-se ainda hoje algum preconceito e um certo estigma sobre quem delas sofre.

Para muita gente, quem se diz deprimido é um preguiçoso que não quer trabalhar, enquanto os que apresentam quadros clínicos mais gravosos são, pejorativamente, enquadrados na categoria de malucos, não sendo olhados da mesma forma que os ‘verdadeiros’ doentes, os que têm problemas de coração, de algum tipo de cancro ou de uma simples fratura na perna ou braço.

Se em parte da opinião pública ainda grassam percepções desta natureza, que só a ignorância pode explicar, a verdade é que também nos serviços de saúde muito há ainda a fazer, nomeadamente na evolução para formas de tratamento e acompanhamento específicos para tratar o que é manifestamente diferente.

É esse o objectivo do PsiCom, um projecto de psiquiatria comunitária que o CHL lançou recentemente, que permite que doentes do foro psicológico tenham o apoio e acompanhamento necessários sem serem ‘arrancados’ das suas zonas de conforto, mantendo-se a viver nas suas casas junto aos vizinhos que os viram crescer.

É, sem dúvida, um projecto de ruptura com o que está instituído para estas pessoas com menor grau de autonomia, que passa normalmente por internamentos nas fases mais agudas e pela estadia em centros psiquiátricos, onde apenas têm por companhia pessoas com o mesmo tipo de problemas.

Sem colocar em causa a qualidade do trabalho desenvolvido por muitos desses centros, que não se poderão comparar ao tempo em que não passavam de ‘prisões que guardavam malucos’, este modelo experimentado pelo CHL parece estar mais de acordo com a vida a que qualquer pessoa deve ter direito, com maior liberdade, realização pessoal e, principalmente, mais humanismo.

Espera-se que projectos deste tipo possam ser replicados noutros locais e leve uma vida digna desse nome a cada vez mais pessoas com este e outros tipos de problemas. Afinal, é também pela forma como cuida da população mais frágil que se mede o nível civilizacional de um País. *director