Opinião
De novo aqui
E de novo as vozes, nas tardes vagarosas e nas noites azuis, em conversas lentas de palavras brandas, ou animadas pela história que se conta
E de novo a possibilidade da quietude, num espaço onde cabe o próximo, o longe, e a distância que se queira, dentro de limites amplos, mas aconchegantes como abraços. De novo o prazer do pensamento divergente, divagante, num exercício solitário de reflexão sobre uma coisa qualquer, invariavelmente inútil para a vida prática, e por isso precioso. De novo o pensamento que, fugindo das palavras, mas por causa delas, ora vagueia perdido nas sombras pálidas, ora se aquieta e se deixa perder no reflexo da água tranquila, ora se aproxima deste modo ser e estar aqui e agora, ora se afasta lentamente, ao lado da quase imperceptível brisa.
Um pensamento a encontrar ideias novas, ou surpreendendo-se no reencontro inesperado de velhas ideias; no prazer da revisita aos momentos e lugares de sempre, ou fugindo para outros raramente lembrados; produzindo eurekas, gritos do Ipiranga, e ideias extraordinárias que logo a seguir consegue esquecer, ou teimando, uma vez e outra, num pedacinho difícil de prosa mental, fazendo, a um tempo, acreditar na nossa genialidade e na nossa incapacidade de entender.
Mas sempre nessa busca curiosa, solta, e livre, de mais uma imagem, de uma outra ideia, de uma pequena ligação em falta, de uma outra possibilidade de resposta, de uma nova direcção, que acrescentem traços de luz e cor ao desenho dessa renda belíssima e inútil como só as coisas belas podem ser, e que o pensamento assim à solta faz.
De novo existir sem pressa e sem porquê. Medir o tempo pelo som das cigarras, pelo vôo desordenado dos pirilampos, pela hora dos pássaros voltarem ao ninho, pelo tardio e lento nascer da Lua acima do arvoredo, ou pela hora a que apetece lanchar os figos mornos, suspensos na borda da sombra, à distância de um braço estendido.
Existir porque sim, porque é bom assim, porque é bom, e pronto. Inventar o que fazer depois, desistir do que se ia fazer antes desse depois, poder preferir o livro, a água a refrescar a pele, ou um sono ligeiro ali mesmo. Poder ser descalço e quase só pele o dia todo. Poder toda a lentidão que se queira porque o amanhã, e o que virá depois desse, podem ser lentos também.
E de novo as vozes, nas tardes vagarosas e nas noites azuis, em conversas lentas de palavras brandas, ou animadas pela história que se conta, em chamados altos e em risos, ou do modo pausado como muitas vezes se pode precisar de falar das memórias. São as vozes de sempre que se ouvem de novo aqui, neste Verão assim, neste tempo de parar ao sol, ou à lua, e deixar estar.
Vozes de olá e de adeus, vozes de que bem que aqui se está, de já tinha saudades disto, de ainda bem que voltaste, de para o ano vimos mais cedo, de posso voltar ainda este verão? Vozes que são o chão, as paredes e as janelas de uma casa comum que todos habitamos mesmo quando não nos vemos, e que não precisa de telhado porque é olhando para o alto que se encontram os alicerces.
É este o meu Verão, que acontece, de novo, aqui.