Opinião
Convenhamos, falar com gravatas já é de mais!
Deduzi que, afinal a hipocrisia, aquela capacidade para fingir sentir o que não se sente, nas épocas eleitorais, atinge o seu pico para agradar a grupos de indecisos eleitores
Após décadas a viver comigo eu já sei que é com naturalidade que me envolvo em conversas com seres que, apesar de sem pronunciarem uma palavra, me seduzem para com eles, em silêncio, eu me pôr a falar! As rochas, as plantas, as nuvens, os pontinhos brilhantes que à noite vejo no céu são, por isso, amigos sempre bem-vindos que me habituei a ver chegarem até mim!
Ora, um destes dias, por causa da morte do querido Papa Francisco e do luto decretado pelo Governo, foram as gravatas dos dois participantes, num debate ligado às próximas eleições, que se puseram a falar comigo. Confesso que tal coisa - falar com gravatas - nunca me tinha acontecido e inicialmente, talvez por vergonha, mostrei-me até pouco recetiva a, com elas, cavaquear, mas depois, depois cedi!
Ambas, a azul exibida pelo primeiro-ministro que nos impôs o luto no dia em que Portugal celebrava a liberdade imprescindível à luta pela dignidade do seu povo e a cor rosa berrante usada pelo candidato que se nos dá a conhecer como um conservador católico, apostólico e romano, estavam perplexas! Pensavam que no seio da dor proclamada por ambos os candidatos, no debate, não seriam elas, mas as de cor preta, as escolhidas para expressar a imensa tristeza que ambos afirmaram estar a sentir.
Ao longo da conversa com as gravatas fiquei a saber o que as suas cores nos querem dizer acerca de quem as está a usar. A cor azul sugere, por exemplo, confiança e profissionalismo e a cor de um rosa berrante energia e assertividade. Já a de cor preta, inevitavelmente, sugere, em momentos de dor, que quem a usa na sua gravata se sente, verdadeiramente, em luto!
Deduzi e tudo por causa destas gravatas malucas, que afinal a hipocrisia, aquela capacidade para fingir sentir o que não se sente, nas épocas eleitorais, atinge o seu pico para agradar a grupos de indecisos eleitores. De facto, tratado que estava o luto, rapidamente, se arrumou (podia ser deprimente) para dar lugar à necessidade de, através da imagem, captar votos!
Claro que as gravatas perceberam onde eu queria chegar e recordaram-me a verdade da frase, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Ora, mas porquê levar em conta tal afirmação se com este tipo de luto, agora decretado por políticos, a política e a religião já se misturaram?
Entretanto, decido por um fim a esta conversa e ponho-me a pensar na cor da gravata que eu escolheria se estivesse na situação daqueles dois e sim, com luto decretado ou sem ele, seria sempre preta a cor da minha gravata!
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990