Opinião
Cinema | O fim das salas de cinema?
O que é que, na verdade, os cinemas têm feito para se manterem abertos?
Este é o meu último texto do ano e poderia escrever sobre uma bonita recomendação de Natal para assistir em família; ou sobre o último filme que vi – que foi magnífico – mas a actualidade trocou-me as voltas. Tanto que resolvi pensar um pouco sobre esse acontecimento e fazer uma reflexão de final de ano, porque é uma óptima altura para isso.
No final da passada semana, o mercado do Cinema acordou com uma notícia bombástica: a Netflix fez uma proposta de aquisição dos estúdios de cinema e televisão da Warner Bros., incluindo a plataforma de streaming HBO. Em resposta, e ainda a procissão ia no adro, surgiram logo as vozes da discórdia, desta feita através da União Internacional de Cinemas que manifestou a sua “forte oposição” a esta compra, afirmando em comunicado que “se um estúdio desaparece, isso inevitavelmente significa que os cinemas vão ter menos filmes para exibir às suas audiências, o que leva a uma redução de receita, encerramentos de cinemas e perdas de postos de trabalho na indústria”.
Isto deixou-me a pensar: o que é que, na verdade, os cinemas têm feito para se manterem abertos? Com o advento das plataformas de streaming que cresceram exponencialmente durante a pandemia, qual foi a resposta dos cinemas?
Eu respondo, porque parece um pouco inacreditável e não muito claro à primeira vista. Na verdade, em vez de tornar uma ida ao cinema mais atrativa, não. Tornaram-na um luxo ao aumentarem, drasticamente, os preços.
Numa pesquisa rápida conseguimos, facilmente, perceber que os preços para assistir um único filme, hoje, variam entre os 7 e os 8,50 euros. No entanto, se recuarmos a 2018, os preços partiam dos 4 euros. Ou seja, face à pouca afluência das pessoas ao cinema, durante e pós-pandemia, a resposta da indústria foi de aumentar os preços de tal forma que uma mensalidade numa plataforma de streaming chega a ter o mesmo valor que uma ida única ao cinema.
Os consumidores não são acéfalos e preferem o conforto das suas casas, que já possuem melhores televisões, com melhores sistemas de som, e uma variedade de títulos mais ampla, que ir ao cinema e “viver a experiência”.
E, mais uma vez me questiono: que experiência? As salas de cinema, actualmente, são espaços muito pouco confortáveis, a cheirar a mofo, com falta de limpeza e escassez de funcionários. Além de que a oferta é parca e desinteressante, baseada nos grandes blockbusters e deixando para trás até filmes indicados aos Óscares.
Aqui em Leiria, as duas salas de cinema comercial apresentavam, esta semana, exactamente, os mesmos oito títulos. E, sejamos realistas, aqueles que ainda querem “viver a experiência” não estão, minimamente, interessados naqueles oito títulos. O cinema deixou, há muito, de ser de massas e passou a ser de nichos e só as grandes cidades têm acesso a isso. Nós, por cá, ficamos com os restos e a mesmice. O Teatro Miguel Franco ainda é quem oferece um leque fora do cinema comercial (e melhores condições de visionamento a preços muito atrativos que rondam os 4,5 euros), mas estamos a falar de sessões únicas de 12 filmes durante todo o mês de dezembro, muitas em horário laboral. Mas, face ao desinteresse geral provocado por esta bola de neve que os grandes cinemas provocaram, acredito que não tenham muita afluência.
Ir ao cinema deixou de ser atraente e passou a ser um luxo que só aqueles com os bolsos mais cheios conseguem alcançar. E, mesmo esses, será que querem assistir a um filme em salas degradadas?
Portanto, deixo no ar a questão: o problema das salas de cinema será mesmo da possibilidade da Netflix comprar a Warner Bros., ou é das salas de cinema que não se souberam adaptar às mudanças dos hábitos de consumo e sugerir respostas interessantes para se poderem manter de pé?
E com isto, desejo a todos os leitores um feliz Natal e um óptimo Ano Novo, com muitos filmes, de preferência.