Opinião

Cinema | Da Ira e do Sangue

17 mar 2022 14:14

Aconselho vivamente o documentário de Igor Lopatonok, Ukraine on Fire, que Oliver Stone produziu. E, já agora Revealing Ukraine

“E o anjo meteu a sua foice à terra, e vindimou as uvas da vinha da terra, e lançou-as no grande lagar da ira de Deus”.

Estranhos tempos estes em que nos encontramos. Se chegámos ao momento do “vai ficar tudo bem” que os esperançosos arco-íris do confinamento pandémico prometiam, então algo correu seriamente mal. Estamos mais próximos de ter o céu escurecido pela sombra do cogumelo atómico que propriamente de encontrar nele o arco-íris, até porque a verdade, verdadinha, é que não cai água do céu em quantidade suficiente para provocar reflexões coloridas. Fico-me, portanto, por reflexões mais cinzentas…

“Se não leres o jornal estarás desinformado, se o leres estarás mal-informado”. Este aforismo, usualmente atribuído a Mark Twain, ganha contornos de assustadora profecia quando olhamos para a atual situação na Ucrânia. Especialmente através dos milhares de lentes que a filmam e por entre os milhões de linhas que sobre ela diariamente se escrevem. A opinião pública (e o próprio jornalismo, que carrega responsabilidades acrescidas) é por vezes demasiado célere a encerrar em compartimentos estanques e definir em tons monocromáticos os eventos e os intervenientes dos acontecimentos históricos, como se a história não fosse ela própria uma construção, dependente do distanciamento temporal, da (não) idoneidade dos relatores e do contexto cultural.

Calha que demonizar Putin porque é, indiscutivelmente, um autocrata que gere com pulso de ferro uma funambulista federação de territórios e mantém os seus quase 150 milhões de habitantes sob o jugo de um estado policial corrupto (mesmo após invadir militarmente o país vizinho e despoletar a mais perigosa guerra na europa desde a 2.ª Grande Guerra) não é suficiente para, por si só, branquear o contexto político, económico e geoestratégico que envolve a Ucrânia e as idiossincrasias da sua história e sociedade. Claro que nada disto interessa aos civis inocentes que se veem aterrorizados, presos, obrigados a fugir ou mortos, no meio das jogadas de xadrez político e militar que os seus dirigentes executam, ainda que alguns se revistam de auras hollywoodescas e heróicas. Como não interessou ao povo afegão, sírio, iemenita e por aí fora…

O povo, mesmo unido, é reiteradamente f*$!$0, especialmente se os grandes players lucrarem com isso e, aparentemente o barril de Brent mantém-se mais caro que o sangue.

Consta que esta é uma coluna sobre cinema e, para o provar, lanço algumas sugestões que, espero, ajudem a navegar no ruído da “informação” sobre a guerra na Ucrânia. Aconselho vivamente o documentário de Igor Lopatonok, Ukraine on Fire, que Oliver Stone produziu. E, já agora Revealing Ukraine da mesma dupla, bem como as entrevistas de Oliver Stone a Putin. São coisas para se encontrarem pelo Youtube, o que facilita a coisa. Basta uma ligação estável à net, coisa que não deve ser tão fácil em Kiev, por estes dias. É interessante fazer o contraditório com Winter On Fire (para este já deve ser preciso uma subscrição da Netflix ou agilidade nas ilegalidades).

Nota de rodapé: O hádoc 2022 já tem datas. www.hadoc.pt