Opinião
Cinema | A doce Amélie está de volta
Jeunet filma Paris como se fosse um sonho. A fotografia de Bruno Delbonnel cria uma cidade idealizada, intemporal
Há filmes que parecem resistir ao tempo e, ao que parece O Fabuloso Destino de Amélie Poulin (2001), de Jean-Pierre Jeunet, é um deles. Mais de duas décadas depois da sua estreia, regressou agora aos cinemas no início deste mês e chega a Leiria, ao Teatro Miguel Franco, no dia 12 de novembro, integrado na Festa do Cinema Francês. E, bem vistas as coisas, talvez nunca tenha sido tão necessário revisitá-lo.
A história de Amélie Poulain – uma jovem solitária que decide dedicar-se a melhorar a vida dos outros com pequenos gestos – é um conto luminoso sobre empatia e imaginação. Naquele universo que é só dela, o quotidiano transforma-se numa história de encantar e Audrey Tautou, com a sua delicadeza quase silenciosa, constrói uma personagem de inocência e mistério, cuja força reside, precisamente, na fragilidade.
Jeunet filma Paris como se fosse um sonho. A fotografia de Bruno Delbonnel, com a sua paleta saturada de verdes, vermelhos e dourados, cria uma cidade idealizada, intemporal, onde a nostalgia e a fantasia coexistem. A câmara não hesita em mostrar-nos os rostos, objectos e pormenores de uma forma quase mágica, revelando uma mise-en-scène que é puro deleite visual. A montagem rítmica e o uso da narração (com a voz de André Dussollier) reforçam o tom de conto moderno, em que cada personagem é uma peça do mesmo mosaico humano.
Mais do que uma história de amor ou de solidão, Amélie é um manifesto sobre o poder da gentileza. Num tempo em que a pressa e o isolamento parecem dominar as nossas vidas, o filme recorda-nos que o sentido de comunidade começa nos gestos simples: olhar o outro, ouvir, cuidar. Há uma dimensão política nesta ideia – discreta, mas presente –, sobretudo num momento em que o individualismo e o medo do diferente alimentam discursos cada vez mais radicais. A generosidade de Amélie é, afinal, um acto de resistência contra a indiferença.
Rever este filme hoje é reencontrar um certo ideal de humanidade, uma crença no poder da arte para aproximar pessoas. No escuro da sala de cinema, entre desconhecidos, talvez seja possível sentir aquilo que o filme propõe: que, por breves instantes, todos pertencemos ao mesmo mundo.