Opinião

Artes Visuais | Pedro Pousada, um wild beast

28 dez 2023 09:55

É um fauvista a pintar, e tem a delicadeza e elegância de um felino de unhas afiadas quando ataca

Inaugurou dia 25 de novembro a exposição Como atravessar paredes de lá para cá, de Pedro Pousada(1970), no BAG - Leiria. A galeria estava composta, maioritariamente de pessoas provenientes do meio artístico, o que logo à partida anunciava um trabalho de qualidade. Fui apreciar, e a exposição fez imediatamente jus à expectativa. As duas salas de paredes altas do belissimo Project Room, beneficiaram das cinquenta e seis obras expostas, e tornaram-se ainda mais fixes.

O curador António Olaio (1963) dispôs as pinturas em duas instalações distintas, ocupando apenas duas das paredes curiosamente opostas uma à outra. O resultado é que estando no centro do espaço virado para um lado, aprecia-se uma das instalações, virado para o lado oposto, a outra. Numa delas juntou dezoito pinturas de igual formato e alinhou-as todas bem alinhadinhas num padrão de seis por três. Uma abordagem clássica bem executada. Na outra é um salve-se quem puder. Trinta e oito pinturas sobre tela, todas de formatos diferentes a coabitar o espaço que parece talhado à medida para a composição. Uma produção sóbria, simples e muito bem medida.

Todas as pinturas me parecem retratos. Quase consigo perceber que todas começaram com uma silhueta humana sobreposta a um fundo de cor contrastante. Os momentos de pintura seguintes é que dão a lufada de Pedro Pousada a cada uma. São de discernimento lento, por serem desprendidas de representação fidedigna, mas em nada empobrecidas por isto, o contrário até. A riqueza destas pinturas é que a compreensão surge ao segundo e terceiro olhar, e é quando surge. São subjectivas na sua interpretação, como devem ser, e fico com a sensação que o autor está a filtrar pouco o que aparece. É mais um tour de force em cada peça, o que apesar de expostas juntas, as individualiza, tornando cada uma especial à sua maneira. Dou por mim a não fazer grande distinções ou seleccionar as que mais me agradam, como faz um pastor quando olha para um bonito e grande rebanho.

No texto escrito pelo curador lemos uma referência a Henri Matisse e a influência é evidente. Pedro Pousada é um fauvista (fauvismo ou fovismo: do francês fauvisme, oriundo de les fauves, as feras) a pintar, e tem a delicadeza e elegância de um felino de unhas afiadas quando ataca. Sabe o que está a fazer, e fá-lo com mãozinhas aparentemente muito bem treinadas. Não é nada previsivel, nem nas cores nem no modo de fazer, o que para mim é bom. Em algumas pinturas parece que bastou apenas meia dúzia de intervenções, outras nota-se que foram pintadas e repintadas para atingirem o seu momento.

O resultado em cada uma delas, independentemente do modus operandi, é avassalador.