Opinião

Artes visuais | De barriga cheia

26 dez 2025 08:08

Aconteceu a quarta edição do Passeio da Estrela - Gallery Tours Estrela & Rato. Despedi-me de Lisboa com um variado leque de experiências gratificantes

No dia catorze de dezembro aconteceu em Lisboa a quarta edição do Passeio da Estrela - Gallery Tours Estrela & Rato. Sete galerias de arte contemporânea organizaram-se e estiveram abertas das duas às sete da tarde, com visitas guiadas e apresentações/conversas com os artistas expostos. O roteiro prometia ser porreiro, arranjei companhia e fui passar a tarde à baixa lisboeta. Estacionei miraculosamente perto do jardim da Estrela e fomos guiados pelo GPS à Galeria Pedro Cera.

Tínhamos entrado há dez minutos e ainda estava a ver a terceira pintura, quando começou a visita guiada à exposição. Uma jovem rapariga, muito simpática, percebeu que algumas pessoas não entendiam português, e decidiu ali mesmo, naquele momento, fazer a visita em inglês. A artista que apresentou, Evian Wenyi Zhang (Xangai, 2000) mostrava pintura, escultura e instalação. Fiquei deveras impressionado, primeiro que tudo pelo trabalho da jovem artista, que é atrevido, bem lido e elegante, e em segundo porque a visita guiada teve um efeito completamente inesperado em mim. Estava a fazer uma leitura do que via, mas quanto mais ouvia, mais o meu entendimento do trabalho era conduzido para um sítio completamente diferente.

Se ali a experiência foi boa, aliás muito boa, na Cristina Guerra Contemporary Art, a cinco minutos a pé dali, foi excelente. Estava patente uma exposição colectiva, com curadoria de Alexandre Melo. Intitulava-se Where is Onde e reunia um desenho, sete pinturas e três fotografias de dez artistas diferentes, onze aliás, que um dos trabalhos é duma dupla de autores. Sentamo-nos numas cadeiras que ali estavam organizadas para o efeito e ouvimos o curador a apresentar os trabalhos e os artistas um a um, quatro dos quais estavam também presentes. A palavra foi-lhes entregue e como se já não fosse enriquecedor acrescentar à minha própria interpretação, a interpretação do curador, acrescentaram eles também mais uma camada a este festival. O artista Nuno Alexandre falou pouco, mas bem, e à saída aproveitei o facto de ele estar sozinho na rua a fumar, para lhe dirigir a palavra. Dos dois dedos de conversa, ficou-me na cabeça ele a citar o Alexandre Melo, “tem poder, tem amor e tem morte? tá pronto”. E passados uma semana ainda a estou a digerir.

Na terceira e última visita, na Galeria Miguel Nabinho estava exposta a individual Pinturas da Ilha, de Pedro Cabrita Reis (Lisboa, 1956). Vi trinta pequenas paisagens pintadas, dez em aguarelas sobre papel e as outras vinte a óleo sobre tampas de caixas de charutos. No fim de ver as pinturas pus uns phones nos ouvidos, sentei-me num cadeirão virado para um televisor, e assisti a uma entrevista ao autor a falar das pinturas que estavam expostas ali mesmo ao lado. “Todas as paisagens que eu pinto provavelmente são sempre a mesma paisagem. E é claramente uma paisagem que, para facilitar a comunicação, diríamos imaginária. Não é imaginária porque nada vem do zero, o zero não existe, é uma convenção, e o nada existe ainda menos” – dizia.

E assim de barriga cheia, despedi-me de Lisboa com um variado leque de experiências gratificantes. Ouvi uma pessoa a falar fluentemente e com elegância sobre o trabalho duma jovem artista, um curador e quatro autores a apresentarem de forma breve o seu trabalho e um pintor a falar profundamente de uma série específica de pinturas.