Opinião

A Palavra do Ano

28 nov 2018 00:00

O ano par de 2018 caminha para o fim. Tempo de antecipar balanços e de, inevitavelmente, pensar no que “deixámos” para trás.

Temos ao nosso dispor toda a nossa audiência, pequena ou grande, e uma multitude de aplicações , que nos permitirão partilhar os “nossos momentos” com quem os quiser ver. As luzes de Natal acendem, conforme os orçamentos, e, de repente, sem nos darmos conta, já andamos a correr de um lado para o outro no formigueiro dezembrino.

É também neste período que alguns meios noticiosos e influencers irão escolher a “palavra do ano”. Normalmente, e com alguma confessa tristeza, é a Politica e seus jograis que têm decidido por nós, daí, troika, gerigonça, por aí fora. Na indústria da música, por exemplo, há muita gente que guarda os seus lançamentos mais fortes para o fim do ano.

Assim ficam mais frescos nas cabeças de quem compila as listas dos melhores do ano. É uma estratégia pensada que dá os seus resultados. Por comparação, parece que o nosso Parlamento (falamos da maioria e excluímos desde já quem cumpre com as regras, nada de carapuças) imitou e guardou o melhor para o fim, de modo que o que ficará deste ano é um sabor muito amargo e uma turva visão de como um número preocupante de deputados eleitos, brinca e desbarata as regras de conduta e ética a que se comprometeram quando aceitaram o cargo.

A lista este ano foi longa: moradas falsas, suprimentos de capital não justificado em empresas, omissões na entrega da documentação fiscal, subvenções vitalícias, unhas pintadas, touradas várias, ausências, falsas presenças, passwords trocadas, o diabo.

Comum a esta lista: um rol de desculpas esfarrapadas, invocando uma “ingenuidade” que não é permitida, por Lei, a qualquer cidadão ou contribuinte. E no caso de José (Silvano) & Emilia (Cerqueira) uma fuga para a frente, "a melhor defesa é o ataque” , revelando a promiscuidade laboral no hemiciclo e justificando o pensamento popular e não “populista” (só porque vos convém) de que existem dois pesos e duas medidas.

Aliás, os deputados em questão, não só não se coíbem de se gabar disso, como o partilham como uma coisa que acontece e que nada tem de “mal”. Isto diz muito também de que como estes deputados se colocam e vêm os seus eleitores: sempre de cima para baixo.

Se a pergunta que mais se tem feito em Portugal, como também se tivessemos muito a ver com isso, de como se criam Bolsonaros, ainda não foi convenientemente respondida, podíamos começar então por olhar para estas situações e avaliar de como elas, de facto, descredibilizam as instituições democráticas que nos representam: os partidos, o Parlamento.

É verdade que já ninguém espera que estes deputados sejam modelo de virtude. Os verdadeiros já morreram todos e os que lá estão a fazer o seu trabalho não vêm nos jornais. Já todos percebemos que os deputados também não se acham na obrigação de dar o exemplo e que o sentido de Estado é uma coisa chata perante a oportunidade de ir para uma empresa daqui a uns anos, ganhar bem.

Os mínimos olímpicos já não lhes são exigidos, porque, simplesmente não há ordem na casa, porque cada um faz mais ou menos o que quer, porque o patrão está sempre fora a trabucar para lhes pagar os salários e avenças que eles e elas dizem ser sempre curtos.

E quem disser o contrário ou tentar racionalizar o comportamento destas damas e cavalheiros, pode perfeitamente também continuar a acreditar no Pai Natal e a deixar o leitinho e as bolachas ao pé da chaminé.

A palavra que sugiro para palavra deste ano é impunidade: passar por entre os pingos da chuva. Cobrir de lama o País que jurou proteger e defender, empanturrados no grande self service que se tornou a Politica em Portugal.

*músico