Opinião

A liberdade de morrer dignamente

11 fev 2016 00:00

Quem está a morrer, no entanto, nada tem a confessar que lhe possa abreviar o sofrimento. Tem que aguentar até que a natureza consiga suplantar as descobertas médicas que, vezes demais, fazem prolongar a vida moribunda para lá do admissível.

O direito a viver com dignidade tem que incluir todo o ciclo da vida, desde o nascimento até à morte. Qualquer outra perspectiva sobre o assunto só pode vir de quem não entende os direitos humanos como uma expressão máxima da humanidade e da liberdade. Nenhum argumento, seja ele de índole religioso, médico, político ou sociológico, pode ser suficientemente válido e forte para se sobrepor à vontade de quem deseja colocar fim à vida por estar em sofrimento extremo e sem qualquer esperança que lhe transmita um pingo de ânimo. De quem se mantém a respirar apenas por conspiração da ciência com os velhos costumes e valores bafientos. De quem vive tendo já a vida terminada. De quem é obrigado a arrastar-se no sofrimento, levando para onde for uma memória negra de algo que deveria ser luminoso: a vida!

No fundo, não deixa de ser uma forma de tortura, tão ou mais cruel como a usada pela Inquisição para do nada descobrir bruxas e feiticeiros, converter judeus e muçulmanos, obrigar os hereges à confissão. Quem está a morrer, no entanto, nada tem a confessar que lhe possa abreviar o sofrimento. Tem que aguentar até que a natureza consiga suplantar as descobertas médicas que, vezes demais, fazem prolongar a vida moribunda para lá do admissível. É difícil perceber como é que num País oficialmente laico, a religião ainda tem um peso tão grande em questões fundamentais para a vida das pessoas, impondo as suas leis a crentes e não crentes, impedindo que a liberdade se manifeste em toda a sua plenitude.

Finalmente, o assunto saltou em força para a ordem do dia, empurrado por um manifesto subscrito por uma lista de 112 personalidades, cuja notoriedade e transversalidade em termos políticos, profissionais e sociais, serão determinantes para dar força a esta causa. Há, assim, todas as condições para discutir o assunto sem o politizar, apesar de alguns iluminados mais conservadores já terem vindo a terreiro defender um referendo para decidir por todos o que cabe apenas a cada um.

Como afirmou recentemente João Semedo, médico e ex-dirigente do Bloco de Esquerda, a propósito deste assunto, “se os mortos falassem já se tinha despenalizado a morte assistida há muito tempo", opinião emitida com a propriedade de quem esteve internado num hospital oncológico e assistiu a sofrimento tão grande quanto escusado à sua volta.

Opinião certamente corroborada por quem já viu, sem nada poder fazer, familiares a suplicar em desespero pelo fim certo. Chega de hipocrisia. Quem se preocupa com a vida que o faça enquanto ela realmente existe. Não faltam, infelizmente, pessoas a precisarem de ajuda. Deixem que cada um decida sobre o fim do seu sofrimento. As pessoas têm direito a morrer dignamente e em paz.

*director