Sociedade

Voluntários juntos para levar refeições a famílias necessitadas e a heróis da saúde

18 fev 2021 18:22

A resposta não vem apenas das autarquias. Também grupos informais de cidadãos, muitos deles anónimos, se chegam à frente para ajudar

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Bens recolhidos na Associação Desportiva e Recreativa de Barreiros
Ricardo Graça

Não é exagero, assegura Rita Bento. Voluntários e redes informais constituídas durante a pandemia estão a “matar a fome” de porta em porta. A presidente da Associação Desportiva e Recreativa de Barreiros (ADRB) dá o exemplo do grupo em que colabora, na freguesia de Amor. “Já estamos a ajudar 12 famílias”, algumas “com crianças”. Pessoas “que perderam tudo de há um ano para cá”, que “chegaram ao limite”.

Óbitos e internamentos hospitalares não são os únicos danos provocados pelo novo coronavírus. Os impactos económicos e sociais continuam a manifestar-se. Perda de rendimentos, desemprego. Os pedidos de ajuda multiplicam-se. Mais do que noutros períodos da vida do País, há quem não tenha meios para garantir o mínimo: alimentação, higiene, roupa, aquecimento. Muito menos computadores para o ensino à distância.

Municípios e juntas de freguesia estão há meses no terreno. No segundo confinamento, reactivaram respostas e reforçaram apoios. Mas também a sociedade civil se encontra activa, tanto online como entre amigos.

Na freguesia de Amor, a iniciativa em que Rita Bento se inclui, e pela qual, ressalva, dá a voz unicamente com o propósito de ampliar o alcance da missão, tem distribuído, essencialmente, bens alimentares, produtos de higiene e vestuário. Mas já fez chegar computadores novos a três crianças que só assim puderam acompanhar as aulas online.

Em alguns casos – “de miséria, mesmo”, lamenta a presidente da ADRB – “até um simples cobertor faz a diferença". Todos os donativos são recolhidos na sede da colectividade de Barreiros, cujos contactos estão disponíveis para quem queira juntar-se à onda de solidariedade.

No grupo de Facebook Leiria Solidária, as mensagens sobrepõem-se: “Alguém tem sapatilhas para uma menina de 10 meses?”, “Alguém tem uma máquina de lavar roupa que possa doar?”, “Alguém tem uma cómoda para as roupas dos meus netos, uma cadeira de refeição, cadeira de carro para os dois?”.

Face ao acumular de carências, não faltam (boas) acções. Outro grupo de Facebook, com o nome Embaixadores de Leiria, abriu este mês uma recolha de alimentos e bens essenciais a favor de pessoas e famílias referenciadas pela Delegação de Leiria da Cruz Vermelha Portuguesa; a Junta de Freguesia de Alcobaça e Vestiaria, em parceria com cidadãos, entrega cabazes semanalmente; o núcleo de Leiria da Refood mantém-se na rua; o restaurante Lismar O Ledo, na Praia da Vieira, ofereceu 40 sopas ao almoço, diariamente, durante 15 dias; a empresa Böllinghaus Steel doou 55 mil euros ao Centro Hospitalar de Leiria; a cervejaria Imperial em Monte Redondo garantiu recentemente o jantar a funcionárias de uma instituição assistencial; um empresário anónimo entregou 50 caixas de géneros alimentares a agregados seguidos pela Divisão de Desenvolvimento Social, anunciou na sexta-feira o Município de Leiria.

Ajudar sem perguntar

É importante “não questionar”, aconselha a proprietária do restaurante Kansha, em Fátima, o único, na região, na plataforma Sopa Para Todos. Logo no primeiro dia em que esteve disponível forneceu uma refeição completa a um desempregado da indústria hoteleira.

“É chocante a quantidade de pessoas que neste momento não tem para onde se virar”, afirma Sofia Ferreira, que também aderiu ao grupo Portugal Solidário – Ajuda Alimentar. “Fiquei com um nó na garganta quando entrei e vi tantos pedidos de ajuda”.

Não questionar, porque, quem precisa confronta-se, muitas vezes, com o sentimento de vergonha. Ou prefere ficar em silêncio. “Enquanto no Porto ou em Lisboa é mais fácil passar anónimo, em Fátima isso não acontece. Toda a gente conhece toda a gente”, lembra Sofia Ferreira. A discrição é importante e está garantida na plataforma Sopa Para Todos: quem pode, deixa a conta paga nos restaurantes aderentes; quem precisa, só tem de ir ao local e resgatar a oferta. Sem mais perguntas.

Em Leiria, o afecto também alcança quem está na linha da frente da luta contra o vírus. Todos os dias, desde o final de Janeiro, o grupo Leiria – Consumo Responsável entrega refeições no Hospital de Santo André para médicos, enfermeiros e auxiliares das áreas Covid-19. Quase 400 refeições até à data. Cristiano Carter, um dos voluntários, explica que pretendem garantir qualidade na alimentação e reconhecer o esforço dos trabalhadores da saúde, que desde Março procuram mitigar o impacto da pandemia.

Cerca de 50 voluntários contribuem diariamente para o objectivo. Preparam as refeições, realizam as entregas ou avançam com dinheiro, alimentos ou recipientes. A recompensa não deixa dúvidas. “Quando chegámos lá vimos que teve imenso valor para eles”, explica Cristiano, que fala de profissionais do hospital de Leiria comovidos, de lágrimas nos olhos, perante a partilha. “E agora, quando vamos buscar o saco com as embalagens, tem mensagens de agradecimento”. O colectivo tem vindo a crescer e a cumprir a meta inicial: levar carinho aos enfermeiros, médicos e auxiliares mais expostos nesta fase.

A enfermeira Daniela Fernandes comprova-o: “Tem feito toda a diferença”, afirma. Ao fim de “muitos meses” de trabalho “muito cansativo”, as pausas em cada turno “são curtas”, e, frequentemente, só a remoção do equipamento de protecção individual e o duche podem demorar mais de 20 minutos, logo, uma vez que é obrigatório reequipar antes de regressar ao serviço, sobra pouco tempo.

“Estes miminhos, este reconhecimento, é importante”, sublinha Daniela Fernandes. “Sentimos que na primeira vaga houve aquele grande movimento e isso foi um bocadinho desaparecendo”.

Mais desemprego

Em Alcobaça, cidadãos anónimos reunidos sob o nome Alcobaça Mais Feliz juntaram-se para organizar a entrega dos chamados Cabazes do Amor pela Junta de Freguesia de Alcobaça e Vestiaria. Os destinatários são famílias carenciadas sinalizadas pela rede social da freguesia.

Um dos envolvidos explicou ao JORNAL DE LEIRIA que particulares e empresas estão a dinamizar a cooperação com base num modelo que exclui a circulação de dinheiro. É a Junta de Freguesia que identifica as necessidades, quem quer colaborar paga directamente ao supermercado e os voluntários, com o donativo, levantam bens que depois depositam na Junta de Freguesia, para serem distribuídos por quem mais precisa.

Só com “a contribuição de todos” e “muito bom trabalho de cidadania” é possível, salienta a mesma fonte ao JORNAL DE LEIRIA, porque “os recursos de uma Junta de Freguesia são limitados”.

Legumes, frutas, carne, arroz, massa, pão, entre outros produtos, estão a beneficiar dezenas de agregados. “Para além disso, com o Clube de Ténis de Alcobaça, estamos a fornecer 14 refeições diariamente”, acrescenta a autarca Isabel Costa. Casais com filhos, mães solteiras, idosos, existem “todos os perfis” e “todas as idades”, esclarece.

Segundo Isabel Costa, o contexto “mudou muito” nos últimos meses. Há agora mais pedidos de ajuda e mais casos de pessoas que perderam o emprego, que não conseguiram manter as contas equilibradas no lay-off ou cuja reforma já não é suficiente para acudir a toda a família.

“Fez com que a rede social se organizasse muitíssimo bem e neste momento não temos ninguém identificado que não esteja a ser apoiado”, explica a presidente da Junta de Freguesia de Alcobaça, num reconhecimento do trabalho dos voluntários.

De facto, o desemprego registado pelos centros de emprego do IEFP cresceu entre Março e Dezembro de 2020 nos cinco concelhos mais populosos do distrito de Leiria.

Comparando a situação no final do mês, evoluiu de 2.895 desempregados inscritos para 3.598 no concelho de Leiria (um aumento de 24%), de 1.376 para 1.554 na Marinha Grande (13%), de 1.016 para 1.153 em Pombal (13%), de 1.187 para 1.325 em Alcobaça (12%) e de 1.335 para 1.669 em Caldas da Rainha (25%).

No conjunto dos cinco concelhos havia no final de Dezembro mais 1.490 pessoas desempregadas inscritas nos centros do IEFP (um acréscimo de 19%).

A nível nacional, a taxa de desemprego subiu de 6,2% em Março para 6,5% em Dezembro, o que resulta num valor médio de 6,8% em 2020, abaixo das piores estimativas. Mas tanto a UGT como a CGTP consideram que as estatísticas não reflectem o desemprego real.