Sociedade

Viagens de finalistas: excessos ainda surpreendem alguém?

20 abr 2017 00:00

Confusão, distúrbios e acidentes fazem parte das viagens de finalistas desde sempre. A grande diferença é que as avarias dos jovens já não ficam em segredo, graças às redes sociais e aos canais de notícias actualizadas ao minuto.

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Há décadas que os finalistas do Ensino Secundário viajam nas férias da Páscoa para celebrar o fim das aulas. A organização destes grupos, o aluguer de autocarros, as reservas de hotéis e apartamentos em instâncias balneares começou por ser feita de forma autónoma pelos alunos.

Hoje, há agências que se dedicam à programação e agendamento destas férias, mas os jovens continuam a participar por sua conta e risco, sem acompanhamento ou supervisão. Muitas vezes, a participação dos pais é solicitada apenas na hora de fazer o pagamento. As agências que fornecem o serviço, fazem-se representar pelos chamados tour leaders, que são uma espécie de guias a quem cabe assegurar o cumprimento das condições contratualizadas com os hotéis, restaurantes, discotecas, parques aquáticos e demais actividades programadas, mas em ocasião alguma se assumem responsáveis pelos jovens e pela sua segurança.

Essa é, de resto, uma responsabilidade que todos descartam. As escolas dizem que os pais deviam envolver-se, os pais, por sua vez, empurram para as escolas, e enquanto ninguém assume as rédeas do problema a teoria ganha força: milhares de adolescentes juntos, em contexto de diversão, totalmente livres, com acesso a bebidas alcoólicas e drogas dá sempre mau resultado.

Com as redes sociais e canais de notícias actualizadas ao minuto, o que acontece nestas viagens já não fica em segredo. O assunto voltou a lume por causa da recente expulsão de algumas centenas de jovens portugueses de uma instância de férias em Torremolinos - Espanha, mas a verdade é que os distúrbios não são de agora, acontecem todos os anos, tendo mesmo sido assinaladas duas mortes de estudantes portugueses em 2010 e 2012 em Lloret de Mar, na sequência de quedas de varandas.

Na época, o balconing (saltar de varanda em varanda ou de varandas para as piscinas dos hotéis) ganhava adeptos entre os jovens nestas viagens, mas a investigação policial, em ambos os casos, não revelou qualquer ligação à prática.

Incêndios, corridas em carrinhos de compras, nudez em público, sexo, suborno a vigilantes e outras maroscas

Ricardo foi finalista do secundário em finais dos anos 90, quando as secundárias de Leiria passavam as férias da Páscoa no Algarve. “Na altura incendiámos o nosso aparthotel, porque alguém se lembrou de acender uma vela depois de termos decorado todo o apartamento com papel higiénico. A nossa capacidade de reacção estava tão comprometida por causas das coisas que andávamos a beber e a fumar, que durante alguns minutos limitámo-nos a ficar estáticos a olhar para as chamas. Também serrámos uma porta porque um de nós ficou, acidentalmente, trancado no quarto com uma rapariga e, na altura, aquela pareceu-nos a melhor solução para abrir a porta. Vomitámos em táxis, entupimos sanitas, fizemos corridas em avenidas, metidos dentro de carrinhos de compras roubados nos supermercados. O nosso apartamento tinha uma folha na porta que dizia 'Festa Aqui' e a porta estava aberta 24 horas por dia, quer nós lá estivéssemos ou não. Além disso, havia uma mesa cheia de erva, tipo self-service. Numa noite entraram lá uns gajos que eram DJ's na discoteca Kadoc, sentaram-se connosco e acabaram por se esquecer de ir trabalhar. Quando demos por isso, tinham passado horas. Tínhamos ficado a noite toda a fumar erva, a beber e a ouvir o mesmo CD, sem que ninguém se tivesse lembrado de o trocar. Lembro- -me também de ver um rapaz perdurado numa varanda em frente à nossa e de pensar, mais tarde, que aquilo podia ter corrido muito mal. Conhecemos uma malta de Águeda que atirou todo o mobiliário do apartamento pelas janelas fora e com quem fizemos questão de fazer amizade. Também havia sexo na praia e bebiam-se shots que nos deixavam apagados por alguns segundos. Um dia, aí pelas cinco da manhã, perguntámos na recepção do hotel se havia algum bar aberto ali perto. Indicaram-nos um. Só quando estávamos lá dentro é que vimos que era uma daquelas casas para adultos”.

Se os meus pais faziam ideia do que eu andava por lá a fazer? “Eu acho que os meus pais fazem tanta ideia do que eu andava por lá a fazer como eu faço do que eles fizeram naquelas conhecidas festas dos anos sessenta em que eu sei que eles andaram”.

Na opinião de Ricardo, agora também ele pai, “se os pais conhecerem os seus filhos e souberem o que eles fazem no dia-a-dia, conseguem ter uma ideia do comportamento deles numa viagem de finalistas”, ou seja, “é isso multiplicado por mil”, considera.

“O que eu acho é que os pais não sabem o que os filhos andam a fazer no dia-a-dia.” “Eu andava de bicicleta a alta velocidade e sem mãos, sacava cavalos de mota a 100 quilómetros hora, passava de umas varandas para as outras da minha casa, num terceiro andar, portanto, não seria de esperar que numa viagem de finalistas eu me fosse portar muito bem”.

“É verdade que nós fazíamos muita porcaria e muita coisa podia ter corrido mal, mas o que penso sobre os miúdos que têm agora os mesmos 17 e 18 anos, e que considero preocupante, é que consomem drogas mais pesadas”.

“O caso de Torremolinos não me pareceu nada de especial. Penso que as redes sociais e os media vieram dar grande visibilidade a este caso que, pelo que vi, nem foi muito grave”, diz Ricardo.

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